A VIDA NA PRAÇA ROOSEVELT | Esther, a delicadeza que fica

Ontem escrevi sobre Phedra D. Córdoba e, entre os ecos que chegaram, um comentário me atravessou como um sussurro: “E eu?”

Era Esther Antunes quem falava. E eu não poderia me silenciar diante desse quase apelo.

Esther é daquelas presenças que a gente não esquece. E importante na vida do Satyros. Mulher trans extraordinária, antes de sua transição havia trabalhado no CPT de Antunes Filho. Depois, o destino nos trouxe a partilhar os mesmos palcos, os mesmos sonhos, as mesmas lutas. No Satyros, brilhou com a intensidade dos que não pedem licença. Chegou inteira, bonita, alta, elegante, inteligente, dona de um charme que não se descreve.

Foi atriz, formadora, assistente de direção de Rodolfo García Vázquez em tantas aventuras cênicas. Mas foi também aquela que nos abriu portas inesperadas. A música tema de Pessoas Perfeitas – First Stage, de Osho) – só entrou em nossas vidas por ela. Impossível lembrar da peça, que tanto nos marcou, sem ouvir a vibração daquela melodia que Esther nos apresentou.

No cinema, sua estrela se acendeu em Hipóteses para o Amor e a Verdade – nosso primeiro longa. Entre nove protagonistas, três mulheres trans: Nany People, Phedra e Esther. Que orgulho ter escrito essa página junto delas. O filme percorreu capitais brasileiras, atravessou fronteiras em festivais mundo afora, mas o que fica mesmo é a sensação de que construímos algo maior: uma memória coletiva de coragem, beleza e arte. Muita arte.

Um dia, Esther se cansou da Praça Roosevelt. Havia nela outros sonhos e um destino que a chamava para além dos nossos muros. Foi embora, mas deixou em nós um rastro de refinamento, um jeito outro de olhar a vida, ensinando que viver também é partir.

Esther faz falta. Uma falta que não se resolve, mas que se transforma em presença delicada. Porque quem nos toca assim nunca se vai de fato.