Ela não sabe, nunca falamos sobre. Talvez nem se lembre disso, mas vou aproveitar agora para contar um segredo pra vocês. Eu conheci Fernanda D’Umbra brigando com… a Fernanda D’Umbra! Exatamente em 1991, em setembro. Foi assim.
Naquele setembro de 1991 a gente produziu, pela primeira vez, a Satyrianas. Não tinha esse nome, na verdade. A Satyrianas foi batizada, naquela altura, como Folias Teatrais. Mudamos o nome em 2002 porque, neste momento, quando retomamos o projeto, já existia o grupo Folias. Não quisemos briga. Mas a Fernanda quis, em 1991.
Estávamos todos felizes no Teatro Bela Vista, realizando o nosso evento, que trazia a participação de nomes poderosos da cena artística brasileira. O Satyros, que havia sido formado em 1989, estava engatinhando, ainda. Então, ter conseguido trazer Antonio Fagundes, Ademar Guerra, Lauro Cesar Muniz e tanta gente famosa ao nosso teatro, tinha um gosto de vitória e de poder também, por que não?
A festa, com duração de 78 horas de atividades ininterruptas, trazia uma infinidade de atrações madrugada afora. Foi assim que um grupo de estudantes da Escola de Arte Dramática, apareceu no nosso teatro.
Quando se é muito jovem e se estuda teatro numa instituição como a EAD, naquele momento a maior, mais importante e absoluta escola de teatro do país, o mundo parece girar em torno dos umbigos desses jovens, né?
Compreensível total! Eu próprio morria de inveja deles, adoraria ter estudado lá. Mas o que não esperávamos é que aquele pessoal viria ao nosso festival para arrumar confusão. Sim, começaram a tirar sarro da gente. Tinham razão. Nosso Teatro Bela Vista era um cacareco só, caindo aos pedaços. E, mesmo que não quiséssemos, tudo isso estava aparente. Então, quando aquele pessoal da EAD se meteu com a gente, eu, briguento que era (?), saí pra cima deles e foi uma confusão danada.
O tempo passou e passou rápido. Fomos pra Europa em 1992 e só voltaríamos em 2000. Na Praça Roosevelt. E quem aparece por ali? Ela, Fernanda, a D’Umbra. Mas, de verdade mesmo, nem me lembrava mais do que havia acontecido em 1991. Fui me lembrando aos poucos. E, talvez por isso, nunca falamos sobre essa desavença da juventude.
Então eu virei amigo da Fernanda. Amigo do peito mesmo. E começamos a trabalhar juntos, em muitas posições.
Já fui contratado pela Fernanda, já contratei a Fernanda, já atuei com a Fernanda, já escrevi para a Fernanda que também escreveu pra mim, já viajei com a Fernanda, já chorei com a Fernanda e ela chorou comigo.
Fui descobrindo, aos poucos, o monstro que era essa mulher. De melhor atriz de sua geração – sim, eu disse “a” melhor –, passando pelo brilhantismo de suas considerações sobre o tempo, especialmente sobre o nosso tempo, sobre a vida e nossos rolês todos. Sim, agora estou falando de filosofia, de sociologia e, também, de antropologia. Porque Fernanda entende tudo dessas paradas aí e suas colocações sempre mereceram grandes reflexões.
E a carreira de Fernanda D’Umbra é de uma solidez e de uma inteligência brilhantes. Mesmo quando esteve no mainstream, levou o experiemental, sua pesquisa e amor pelos quadrinhos e pelo rock e pelo blues, e seu modo de viver, levou tudo para o mainstream. Até a Praça Roosevelt. Fez e faz isso muitas vezes e, todas essas vezes, com uma lucidez admirável.
Ah, tem, ainda, a Fernanda D’Umbra formadora e condutora de debates e mesas redondas e rodas de conversa. Desde alguns anos, já, Fernanda tem atuado na SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco em todas essas funções aí. E com sagacidade que sempre impressiona.
Sou grato por ser contemporâneo desta artista incrível. As trocas com ela sempre despertam ideias para novos voos, novas peças e opiniões novas. Sempre!