NA SUÉCIA | Estocolmo me Chama pelo Nome

Estou na Suécia e isso não é uma metáfora. Não atravessei oceanos, não carimbei passaportes, não senti o vento cortante de Sergels Torg bater no rosto. Ainda assim, algo de Estocolmo me alcança primeiro. O teatro tem esse dom antigo. Dobra o espaço, suspende as distâncias, aproxima mundos que jamais se tocariam no mapa.

Eu Rodolfo escrevemos Snön i Brasilien – Anna du kan väl stanna (A Neve do Brasil – Anna, você pode ficar). O texto nasceu em português, foi traduzido primeiro para o inglês e, por fim, ganhou uma versão em sueco, assinada por Ulrika Malmgren e Katta Pålsson, com a colaboração de Isi Malmgren.

No Brasil, até há neve. Em algumas cidades de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, o inverno às vezes cai em forma de flocos. Mas a neve sueca é de outra ordem. Lá, dizem que existem dezenas de tipos de neve. Cada uma com um nome, uma textura, uma precisão quase científica. Neve que range sob os pés, neve que silencia o mundo, neve que cega, neve que brilha, neve que se desfaz com um gesto.

É uma língua inteira, feita de brancura.

E talvez seja por isso que a nossa peça se permita existir entre hemisférios. Porque também inventa seus próprios tipos de neve. Neves emocionais, neves que se depositam na memória, neves que cobrem amores e perdas, neves que nunca derretem totalmente.

Nossa peça nasce nesse limiar onde o cabaré encontra a performance. Música ao vivo, atores, cenografia e visuais que não apenas compõem a cena, mas dialogam com o público, quase tocando a pele de quem assiste. Nada existe sozinho. Europa e América do Sul, vida e morte, luz e sombra se trançam até criar um território que só pode ser habitado pela ficção.

Enquanto escrevíamos, eu me lembrava da temporada em que trabalhei como ator em Estocolmo. E, também, das muitas viagens que fiz até lá para falar de pedagogia e de futuros. Há cidades que funcionam como espelhos de nós mesmos. Nelas, reencontramos versões que acreditávamos perdidas. A Suécia, para mim, é esse espelho frio e luminoso, onde a quietude é uma forma de ouvir melhor.

Agora, a peça estreia no Unga Klara, o teatro municipal da cidade. Estou aqui, no Brasil, escrevendo estas linhas, mas é como se estivesse lá. Sentindo, talvez, aquela neve que não cai sobre o chão, mas sobre as ideias.

Talvez seja isso que o teatro faz. Desloca o corpo, mas amplia a presença. Cria pontes invisíveis entre aquilo que somos e aquilo que ousamos imaginar. E talvez seja por isso que, mesmo sem sair do meu quarto, Estocolmo me chama pelo nome. E eu atendo.

Viva o teatro, essa casa sem fronteiras, que insiste em me apresentar o mundo inteirinho. Imagine só, já atuamos em mais de quarenta países.

Quem diria!

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
Post criado 1993

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