Sou um cara sortudo. Não canso de dizer isso. A vida, generosa em seus acasos, me deu o privilégio de cruzar com pessoas que mudaram meu caminho e me ensinaram a ser quem sou. Gente que abriu portas, clareou horizontes e me deu a medida da dignidade que hoje me sustenta. Entre essas pessoas, um nome sempre ressoa com gratidão: Silvio Tendler.
Conheci Silvio há muitos anos. Nossas trajetórias se encontraram em experiências preciosas, algumas delas inimagináveis para aquele jovem ator que eu fui um dia. Estivemos lado a lado em júris de festivais de cinema – e que aprendizado cabia em cada conversa, em cada debate, em cada silêncio partilhado! Silvio tinha essa capacidade de ensinar sem impor, de iluminar sem ofuscar, de ser mestre sem precisar da cátedra.
A última vez que nos vimos foi em julho de 2023, quando o homenageamos no Festival Satyricine Bijou de Cinema. Que noite! Estavam lá Zezé Motta, Helena Ignez, tantos amigos queridos. Uma constelação de afetos e memórias. Silvio, como sempre, irradiava aquela presença generosa, uma espécie de serenidade combativa.
Sua obra é um monumento da memória brasileira. Em documentários como “Jango”, “Os Anos JK” e “Encontro com Milton Santos”, Silvio não filmava apenas a história. Ele a devolvia ao povo, devolvia dignidade ao olhar de quem, tantas vezes, é condenado ao esquecimento. Seu cinema é a crônica política de um país que insiste em se reinventar, mesmo entre ruínas. Foi, sem exagero, uma das vozes mais extraordinárias que o cinema brasileiro já teve.
Aprendi com seus filmes e com sua amizade. Aprendi que a arte não é só estética, mas também ética. Que filmar pode ser um gesto de amor e também de resistência. Silvio nos mostrou que a câmera é, antes de tudo, um instrumento de memória e de transformação.
Vai fazer falta, imensa falta. Mas seu legado, esse sim, não se perde. Fica conosco como farol e lembrança, como testemunho e provocação.
Obrigado, Silvio. Obrigado por tanto!
