Meu amigo Contardo Calligaris gostava de dizer que felicidade não existe; o que existe são vidas interessantes. Se a tese procede, Walcyr Carrasco está salvo — e com capítulos de sobra. Autor de alguns dos maiores sucessos da televisão brasileira, administra um fuso horário particular, onde manhã, tarde e noite correm em modo maratona. Basta lembrar que, enquanto escrevia “Verdades Secretas II”, já arquitetava “Terra e Paixão”, visitava plateias de teatro, postava microcontos no Instagram e ainda estudava Jung — sim, Jung.
Sou testemunha dessa história. Pouca gente sabe, mas Walcyr decidiu mergulhar na psicanálise e me pediu indicação de escola. Confesso que achei que fosse fogo de palha; não era. Matriculou‑se, frequenta aulas e, segundo uma informante de confiança (a irmã de um amigo, colega de classe), é aluno exemplar. Entre uma virada de trama e outra, debate arquétipos e inconsciente coletivo; se Jung estivesse vivo, talvez pedisse spoiler da próxima novela.
Na Globo, Walcyr virou “coringa”: quando um folhetim derrapa, chega o chamado e lá vem ele reorganizar quiproquós, ressuscitar audiência e entregar final feliz com direito a penacho de coxinha de galinha — uma de suas paixões. Desde “O Cravo e a Rosa”, em 2000, sua assinatura virou sinônimo de Ibope generoso, façanha construída sobre sucessos como “Êta Mundo Bom!” e a dupla “Verdades Secretas”.
Generoso fora dos estúdios, ele também foi um dos primeiros a apoiar o crowdfunding do Cine Bijou; ligou, pediu o número da conta e simplesmente depositou a contribuição, sem holofote nem cartaz. Essa mesma propensão ao gesto silencioso explica por que mantém amizade com técnicos, figurinistas e porteiros: vilão de novela dele só vive no horário nobre.
Walcyr revela que escreve gargalhando. Se não rir enquanto digita, o público não rirá na exibição — a risada, nesse caso, vem embutida no roteiro como selo de autenticidade. Talvez seja ali, entre uma onomatopeia e outra, que descubra o segredo de comprimir 240 horas em cada dia.
Ontem à noite, a TV Globo exibiu um “Perfil” dedicado a ele, celebrando essa capacidade quase atlética de fabricar narrativas que grudam nos brasileiros como bordão de personagem secundário. O programa poderia ter durado a madrugada inteira e ainda sobraria material, porque, no universo carrasquiano, pode até não haver felicidade — mas vida interessante é o que não falta.