Trabalho, afeto e gratidão

Sou diretor executivo da Associação dos Artistas Amigos da Praça, a Adaap, desde a sua fundação, em 2010. Nossa entidade gere, dentre vários projetos, a SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco, criada pelo Governo do Estado de São Paulo e mantida por meio da parceria com a Secretaria de Cultura e Economia Criativa.

Nosso staff técnico conta com centenas de colaboradores, a partir de uma equipe de quase 90 funcionários que trabalham em regime de CLT.

Desde nosso início, trabalhamos com ideias de acessibilidade. Não acreditamos em inclusão, pelo menos na origem semântica da palavra. Incluir pressupõe, também, excluir, deixar de lado, eliminar, apagar. Já o acesso abre para mãos de via dupla, onde podemos ir e vir dentro de nossas liberdades de escolhas, de preferências, de predileções, de inclinações etc.

Nossa instituição forma profissionais das artes do palco. Se você pensou que se trata de uma peça ínfima da economia, enganou-se. Respondemos por uma parcela significativa de nosso PIB e somos das que mais crescem, perdendo apenas para as indústrias bélica e automobilística.

Hoje, as artes do palco ocupam áreas de destaque na sociedade e na economia. Além do que já entendemos do assunto – ok, formamos profissionais para a televisão, publicidade e cinema – é importante lembrarmos que existem lugares muitas vezes desprezados pela sociedade e que são ocupados por profissionais que saem da nossa escola. Por exemplo, quem cria a iluminação de lojas, restaurantes, shopping centers? Antes da SP Escola de Teatro, esse trabalho era desenvolvido pelo pessoal da arquitetura, que criava projetos sem conhecimento técnico adequado.

Foi uma amiga alemã, quase 30 anos atrás, quem me disse que o próximo passo da sociedade seria apostar nas indústrias criativas. Naquele momento, anos 1990, não tínhamos definido ainda esta nomenclatura, mas o que ela queria dizer era que o capital estava se estruturando de maneira tão rápida e eficiente – pra quem queria ganhar dinheiro, muito dinheiro, é bom dizer – que teríamos que criar outras maneiras, além do cinema e da TV, para entreter e convencer esse pessoal de que valeria a pena continuar apostando em seus projetos, porque surgiriam lugares onde eles poderiam afogar seus estresses e toda melancolia de terem conseguido estruturar vidas, e onde o dinheiro não seria, exatamente, um problema.

Tudo o que veio a partir disso, realizou-se, afinal. Os smartphones, só para trabalhar com um exemplo, ficaram responsáveis em resolver todos os problemas básicos de imagem e som. Um simples aparelhinho que cabe no bolso virou, com muita eficiência é bom dizer, telefone, máquina de fotografia, de vídeo e de som.

Foi mais ou menos neste período, fim dos anos 1990, início dos anos 2000, que se popularizaram os cruzeiros. Um barco que sai do porto de Santos, em direção a Buenos Aires, por exemplo, emprega muitos profissionais das artes do palco.

O barco MSC Splendida, construído em 2009 e que tem navegado por águas brasileiras desde então, tem 333 metros de comprimento e capacidade para transportar 5.700 pessoas, das quais 1.700 são tripulantes. Quantos destes 1.700 pertencem à área criativa? Conseguem projetar? Um barco destes tem teatros, restaurantes e muitas áreas de lazer, que empregam centenas de profissionais que vêm das artes do palco, de iluminadores, técnicos de som, cenógrafos, dramaturgos a atores, bailarinos e cantores. E com um salário médio de U$ 1.500, com despesas básicas pagas.

Mas este texto não é pra falar da indústria criativa. Quis localizar um pouco o nosso trabalho para que entendam que as formações em nossas áreas têm ganhado cada vez mais espaços na sociedade. E o exemplo dos cruzeiros é apenas um, dentre centenas.

É para falar de gestão este texto. Ou de experiências e exemplos que têm colocado o nosso projeto em lugares de destaque. Do nosso quadro de funcionários celetistas, conseguimos alguns benefícios invejáveis, se comparados ao que se pratica no universo corporativo. Dois exemplos de benefícios, apenas: não trabalhamos no dia de nossos aniversários e as gestantes têm licença-maternidade de seis meses, e os pais, de um mês. Ainda acho pouco. Se dependesse de mim, aplicaria um ano para as mulheres e seis meses para os homens. E sobre a folga no aniversário de nossos colaboradores, também ampliaria para relações de pai e filho. Sim, nem pai, nem mãe trabalhariam no dia do aniversário de seus filhos.

Falando assim, rapidamente, pode parecer imprudente e improvidente. Não é. É estratégico, creiam. Um funcionário que é respeitado e tratado como singularidade doa seu coração e sua vida à empresa. Em geral, um local de trabalho não pode ser um local de autonomia de um indivíduo. Ele precisa reproduzir esquemas e desenhos, muitas vezes traçados há muito tempo e sem relação direta à sua capacidade. Tratar este profissional com individualidade, dando-lhe possibilidades de descobertas e apropriação aos seus objetivos, é tarefa de um bom líder.

E quando se tem o coração de um colaborador nas mãos, se tem tudo. Tem afeto, sobretudo. E o local de trabalho, desse modo, é extensão de sua casa e parte importante de seus afetos mais nobres. Gratidão é algo que não se fabrica, se constrói. A todo momento.

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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