Eu amo a minha profissão de analista. É ali que me sinto verdadeiramente útil no mundo – não apenas como alguém que escuta, mas como quem partilha, junto ao outro, um território de poesia e de abismos. A clínica é feita de beleza e de tristezas, de instantes luminosos e de sombras espessas. É também um lugar de desconfiança, perigoso e cheio de medo. Porque olhar-se no espelho e reconhecer-se imperfeito nunca é tranquilo. Não para o analisando. Não para o analista. Ambos expostos, ambos desarmados.
É um palco. Exatamente como no teatro.
O teatro pode ser descrito assim: um espaço, um sujeito que o ocupa e alguém que o observa. O setting psicanalítico não difere. Quando mais avanço na clínica, mais tenho a certeza de que a análise é um teatro expandido, um palco íntimo onde os códigos se erguem silenciosamente e a dramaturgia se escreve em cada palavra, em cada silêncio.
Em ambos – teatro e análise – há esse lugar mágico, saturado de significados. São espaços de revelação, onde a verdade não se mostra inteira, mas lampeja, fragmentada, e ainda assim irremediável.
E, assim como o teatro, a psicanálise também atravessou a fronteira do digital. As antigas discussões sobre se o teatro exibido na internet poderia, de fato, ser chamado de teatro, ecoaram na clínica: seria possível analisar alguém à distância, através de uma tela? Neste território, porém, a psicanálise avançou com mais firmeza. Hoje é inegável a potência de uma sessão online. O dispositivo pode mudar, mas o encontro permanece intacto.
No teatro, no entanto, ainda precisamos debater mais. Há quem duvide que uma representação através de mecanismos digitais seja, de fato, teatro. Talvez porque a cena, quando se transfere para a tela, parece nos roubar a fisicalidade, o calor dos corpos.
Talvez seja isso o que une para sempre psicanálise e teatro: a coragem de sustentar a presença, mesmo na ausência. O risco de se desnudar diante de alguém. O pacto silencioso de se deixar ver imperfeito, vulnerável, humano.