Todas às terças e quintas, às oito em ponto, eu aperto o botão do elevador como quem carimba a passagem para um território sem CEP. No bolso, o mesmo moleskine gasto. Na cabeça, o repetido pacto de silêncio que se assina antes de abrir a alma em consultório. Trinta e tantos anos depois da estreia — a primeira sessão aconteceu quando, no auge da minha juventude, confundia Stanislavski com salvação —, descobri que análise não é red carpet para o Eu vitorioso, mas uma claquete que marca regravações infinitas da mesma cena.
Foram três temporadas, cada qual com um diretor diferente. Curitiba, fim dos anos 1980, eu vestia a consciência como quem estreia figurino, ainda cheirando a naftalina de família. Volta a São Paulo, virada dos 1990, troquei de terapeuta e de código postal e percebi que mudar de cidade não altera o espelho, apenas o enquadramento. Desde 2020, permaneço com a mesma analista — ela, firme, assistindo às minhas reprises como quem investiga um filme restaurado: corrigem-se os arranhões, mas os fotogramas continuam lá.
Não me tornei “melhor”. Aliás, suspeito que “melhorar” seja merchand de um processo de análise. O que sempre procurei foi decifrar a engrenagem que aciona meus desejos — não a engrenagem inteira — Freud teria alertado: O homem moderno é incapaz de ser sincero consigo mesmo —, mas ao menos a faísca que põe tudo em movimento. Entender, verbo ambicioso. Às vezes ele se contenta em aparecer como ruído de fundo, feito clarinete afinando antes do concerto.
A complexidade do caminho só se revela quando o pé já pisou. Freud sugeriu um mapa improvável: Roma, cidade impossível onde Coliseu, Fórum e basílica convivem na mesma rua do inconsciente — as ruínas do garoto paranaense ainda estremecem sob o asfalto do adulto paulistano. Cada escavação traz à tona mosaicos que, vistos de longe, até parecem progresso. De perto, mostram apenas que o passado nunca aceitou ser passado.
Lacan, sempre lacônico, diria que o desejo é a topologia do sujeito. Dobra-se, torce-se, inventa atalhos quando juramos conhecer a rota. Talvez por isso eu continue subindo ao consultório todas terças e quintas, religiosamente. Para ouvir o ranger dessas dobras. Quem sabe um dia eu descubra que a melhor cartografia não é a que promete destino, mas a que suporta se redesenhar a cada tropeço — como um roteiro de teatro que só encontra sentido enquanto se ensaia, cena após cena, luz após luz, sessão após sessão.
A sua escrita me tira de um lugar e me leva pra outro em segundos. Você me acessa com a sua escrita e eu me deixo ser invadida pela sua beleza de alma. Eu volto a olhar pro teatro do mesmo jeito amoroso que eu o percebia na minha adolescência quando eu me encontrava com meu grupo amador e destemido de amigos que praticava o teatro de forma totalmente independente e não direcionada sob as marquises do Centro Cultural Vergueiro. Obrigada por tudo e por tanto. Eu aqui de olho no calendário do Os Satyros porque não quero perder a oportunidade linda de um olhar novo após o trabalho numa quinta-feira a noite ordinária com potencial.