RETROCAUSALIDADE QUÂNTICA | O tempo que pode andar para trás

Há quem diga que o tempo é uma linha, um trilho que só conhece uma direção: o futuro. Outros o veem como um rio, que corre e se perde, mas que às vezes faz curvas e volta a tocar margens já visitadas. A física quântica, essa espécie de poesia das certezas quebradas, tem nos mostrado que talvez o tempo não seja nem linha nem rio, mas um tecido, um organismo vivo, respirando entre o antes e o depois.

A teoria da retrocausalidade quântica propõe algo quase indecente à lógica. Que uma escolha feita agora – uma medição, um gesto, um olhar – possa reverberar para trás, influenciando o que já aconteceu no nível subatômico. Não se trata de reescrever o passado, mas de reconhecê-lo como algo ainda pulsante, inacabado, sensível à presença do presente. É como se o universo tivesse memória e, ao mesmo tempo, esquecimento. E que nos lembrasse do que fomos e, às vezes, permitisse tocarmos nesse ser anterior com as mãos de hoje.

Não há, portanto, máquina do tempo, mas talvez haja o tempo como máquina. Um mecanismo delicado em que o futuro lança sombras sobre o passado, e o passado continua sussurrando o que ainda pode ser.

Penso nisso quando tento compreender certos sentimentos que chegam sem convite. Um cheiro, um som, uma palavra, e de repente algo se move dentro. Uma cena antiga se refaz, como se o presente a tivesse convocado. Talvez sejam partículas de memória que obedecem às mesmas leis misteriosas da física. Uma emoção medida agora altera o modo como o passado existiu.

E é então que me vejo diante de um desses lampejos. Algo do presente acende, e o passado desperta. Uma lembrança se move – tímida, mas inteira – como se quisesse provar que o tempo, afinal, também pode ser sensível às nossas saudades.

Penso nisso quando chove…

Quando criança, eu e meus cinco irmãos vivíamos com meus pais numa pequenina casa de madeira amarela, com janelas azuis. Éramos bem pobres e, quando chovia, a casa se enchia de enormes goteiras. Quando surgia um temporal – e, não sei por que, naquele tempo vinham sempre de madrugada –, éramos acordados pela minha mãe que, com medo que a casa desabasse sobre nós, colocava todo mundo embaixo de uma grande mesa de madeira que ficava na cozinha. E, amedrontados, enquanto ventos, trovões e relâmpagos bagunçavam aquelas madrugadas, a gente rezava. Nem esse terror todo fez com que eu tivesse medo de chuva. Hoje, toda vez que o céu se fecha, meu coração explode de amor e de saudade…

Então eu penso. Talvez o tempo possa, sim, andar para trás. Não nas máquinas, mas nas memórias. Talvez o passado ainda esteja ali, no instante em que o trovão corta o céu, e eu, sem saber, continuo sendo a criança escondida debaixo da mesa, olhando o mundo pela fenda das tábuas, esperando que o futuro venha, e venha devagar.

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
Post criado 1947

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