REFLEXÃO | Não, nunca foi privilégio

Como ator, cheguei ontem na filmagem do nosso longa “The Art of Facing Fear”, onde também assino o roteiro e a direção com o Rodolfo García Vázquez, totalmente acabado. Das três cenas que filmaria, uma delas eu não tinha o texto decorado. E é constrangedor porque existe uma equipe enorme te esperando e tudo o que se espera de um ator é que ele apareça no set com seu trabalho minimamente esculpido. Mas…

É, sempre tem um “mas”. Na correria do dia a dia, meu lado ator é como se fosse um pequeno capricho meu. Porque para atuar no filme, antes, tivemos que criar projeto, escrever roteiro, preparar produção e ficar noites a fio sem dormir. E, em meio a tudo isso, ainda existem as dezenas de outras funções que ocupo na vida. A de diretor executivo de um projeto enorme, a SP Escola de Teatro, por exemplo.

Assim, entre uma cena e outra, tive uma aula entre 18h30 e 20h, em um curso de pós em canto popular de uma universidade do Espírito Santo. Mas o dia havia começado às 8h30 com uma infinidade de reuniões importantes que se estenderam dia afora.

Cheguei em casa perto das duas da manhã, exausto. E fiquei pensando em tanta coisa. Porque muitas das minhas conquistas foram plantadas. O que era uma hipótese remota virou realidade porque eu joguei meus sonhos para o universo. Agora, sim, estou falando em algo que acredito: energia. E aí, reconheço, existem as boas e as más. Nunca soube direito trabalhar com as más energias. E todas as vezes em que me dei mal na vida é porque a complexidade dessas energias infestas, me confundiram.

Eu já disse várias vezes que não vim ao mundo pra brincar. Acumulei muito aprendizado. Eu, especialmente, tinha tudo para ter dado errado na vida. Tenho uma origem muito difícil, de pobreza mesmo. Mas aprendi, desde muito cedo, que “Deus ajuda quem cedo madruga.” Assim, não tive muitas opções senão arregaçar as mangas e ir à luta. Nunca foi privilégio. Não é até hoje.

Na arte, fiz tanta, mas tanta coisa. Me meti em todos os cantos, não só no teatro. Estive na dança, na ópera, no circo, nas artes visuais, na música, na literatura. Fui pro cinema, escrevendo e atuando; pra televisão também. E só não fiz mais, não por falta de tempo, mas porque não quis.

O Paulo Autran me deu um dos conselhos mais sábios: “a história de um artista está, sobretudo, nas coisas que ele também deixou de fazer.” E acredito nisso também. Aliás, é um mantra pra mim. Quantos convites vocês imaginam que eu tenho recusado nestes anos todos?

Então, por favor, não me subestimem. Eu sou uma pessoa comprometida com o meu tempo. Não estive (ou estou) próximo do poder porque quero uma “boquinha”. A minha vida já estaria resolvida se eu não acreditasse no coletivo. Sou ambicioso, aliás muito ambicioso: eu quero mudar o mundo.

Sozinho não sou nada;
mas com um sonho,
sou um exército.

Não acredito que biografia e produção artística estejam dissociadas. Nunca. A minha vida – meus atos, meu trajeto – estão conectados, são as mesmas coisas. Meu discurso é uníssono. Pratico o que acredito. E assim continuo…\

 

+ Na foto, de Andre Stefano, um omento da minha participação em The Art of Facing Fear,
nosso longa da Satyros Cinema. Andre Stefano

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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