REFLEXÃO | Entre extremos

Penso que a vida se escreve sempre no intervalo entre duas margens. Ou se erra, ou se acerta. Mas é raro estarmos plenamente de um lado ou do outro. Vivemos, quase sempre, nas brechas – nesse território instável e fértil, onde a existência se desenha de modo tantas vezes assombroso.

Acertar nos conforta. É como se respondêssemos a um chamado secreto. A aprovação que buscamos desde sempre. Mas errar – ah, o erro é outro tipo de mestre. Ele nos arranca do eixo, nos obriga a encarar a própria fragilidade, expõe nossa ignorância e, ao mesmo tempo, paradoxalmente, nos educa. Diante dele, não há simulacro que resista. É o destino, com sua matemática imprecisa, cobrando presença.

Há também os acertos que surgem depois dos erros. São comuns – e sempre reveladores. Muitas vezes não são nem opcionais nem intencionais. Aparecem como mecanismos de sobrevivência. Desviamos o caminho apenas para, mais adiante, nos encontrarmos com uma possibilidade de êxito.

Gosto de pensar que estamos aqui para aprender. Afinal, não existe diferença rígida entre os dois polos. A vida é uma corrente de energias vibrantes que especulam o desejo. A psicanálise nos oferece pistas para seguir esse fluxo.

Já me arrependi muitas vezes. E não carrego a vaidade de afirmar que faria tudo igual se pudesse voltar. Não. Voltaria diferente. Reescreveria trajetórias com a beca da experiência, somaria intuição à coragem, riscaria os excessos, apararia hesitações. Porque aprender é justamente isso. Recolher os cacos e descobrir que deles se pode fazer um mosaico.

Também aprendi que algumas coisas precisam ser cortadas logo no início. Antes que se tornem raízes a nos aprisionar. Essa talvez seja uma das maiores lições. Reconhecer quando algo não merece desabrochar em nós.

No fim, a vida não cabe apenas nessa equação binária de erros e acertos. Há nuances, silêncios, pausas. Existem zonas cinzentas que não são fracasso nem triunfo, mas parte essencial do caminho. E talvez seja justamente aí, nessas camadas sem nome, que resida a beleza da nossa travessia.

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
Post criado 1928

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