PENSANDO COM MEUS BOTÕES | Quando o reborn conta como filho: como negociar sua licença no trabalho

Imagine a cena: você chega de manhã pra trabalhar com o copinho de café em riste, o crachá balançando como um cordão umbilical corporativo, e anuncia, com a gravidade de quem está prestes a revelar a a combinação do cofre da empresa: “Gente, preciso protocolar minha licença-maternidade. Meu reborn nasceu.” O RH congela, o diretor engasga com a cream-cracker, a estagiária do jurídico digita “licença-maternidade reborn lei brasileira” e descobre, horrorizada, que essa aba simplesmente não existe — nem no submundo dos blogs de crocheteiras jurídicas.

Mas antes que alguém faça piada, vale falar um pouco desse pequeno milagre contemporâneo: o bebê reborn não é apenas um boneco. Antes, é uma arte hiper-realista, com cílios implantados fio a fio, bochechas que coram sob luz morna e um cheirinho de talco que faria sua avó jurar que ouviu choro. Num tempo de afetos que vivem em loading eterno e romances que trocam match por mensagem automática de “oi, cadê você?”, amar um quilo e meio de vinil premium chega a parecer coerente.

Todavia, o velho Código do Trabalho não compartilha dessa poesia. Para ele, licença-maternidade precisa vir acompanhada de duas certidões igualmente ensanguentadas: a de nascimento do bebê e a de CPF da mãe. Nenhum artigo menciona pestanas coladas à mão nem enchimento de silicone. É nessa fenda legal que Freud encontra a caneta do perito: se você acorda de três em três horas para amamentar o vazio, talvez seja a alma implorando colo. E, quando a alma chora, o Estado — que não é totalmente desalmado — oferece o afastamento por saúde mental: o famoso CID que todo mundo finge não ter, mas coleciona em silêncio.

Então, você volta para casa ostentando um atestado que serve de babá eletrônica emocional. Nos primeiros dias, descobre que tempo livre com o reborn parece menos cuidados neonatais e mais espelho portátil apontado para o berçário interior. De repente percebe que faltava colo — não fralda; conversa — não bico de mamadeira. Talvez até marque terapia dupla: você no divã e o reborn no banco do passageiro, preso no cinto como um talismã de vinil.

E, quando regressar ao escritório, já nem importará se no bercinho dorme um bebê ou um boneco edição-deluxe. Importa que você também renasceu — sem manual de instruções, mas com licença oficial para viver em primeira pessoa. Se perguntarem por que precisou de folga, sorria e responda: “Foi parto emocional. Eu tinha direito.”

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
Post criado 1853

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