PENSAMENTO | Produção de artigos na psicanálise

Aos poucos, a gente vai crescendo. E é bonito ver as coisas ganhando corpo, se estruturando. Escrevi o posfácio do livro “Língua no Divã @ Língua no Palco”, do querido Sergio Zlotnic, editado pela Ofício das Palavras. Ontem, eu e Isildinha Baptista Nogueira almoçamos juntos e depois estivemos no lançamento da obra, na nossa SP Escola de Teatro, na Praça Roosevelt. Foi uma tarde luminosa, com amigos queridos da psicanálise – Miriam Debieux, Luciana Pires, Filipe Doutel e Eduardo Fragoaz, dentre tantos –, a fotógrafa Maureen Bisilliat e o diretor e professor Antônio Araújo. Aliás, o livro deriva da tese de pós-doutorado de Zlotnic, sob supervisão de Araújo.

Nos últimos tempos, tenho me aventurado na escrita de artigos psicanalíticos. No ano passado, publiquei Beckett, a psicanálise e a compreensão do homem moderno”, um dos 33 capítulos do livro “Entre Almanach 2024”, editado pelo Selo Lucias em parceria com a Universidade de Gdańsk (Polônia) e a Universidade Federal de Goiás. Aliás, o livro também ganhou uma edição polonesa, publicada pela própria Universidade de Gdańsk.

Nesse artigo, examino a relação de Samuel Beckett com a psicanálise, em especial sua análise com Wilfred Bion, e como conceitos freudianos e bionianos atravessam sua obra: vazio, desamparo, memória e a falha da linguagem. Em peças como “Esperando Godot” e “Fim de Partida”, emergem personagens entre solidão, repetição e busca de sentido. A angústia e a fragmentação do homem moderno. Beckett e Bion partilham a economia da linguagem e o interesse pelo vazio como origem do pensamento. Arte e psicanálise, ali, traduzem o indizível.

Também escrevi, para a revista A[L]BERTO, “O lugar de ação inconsciente e a busca da subjetividade”, onde parto da confidência de uma adolescente traída pelos pais para criticar o moralismo superegóico e sustentar que a clínica considere o “lugar de ação” do sujeito: gênero, raça, classe e território (Higienópolis ≠ Parelheiros) moldam o inconsciente. Um flagrante de violência policial contra um jovem negro reforça como a psique é atravessada pelo racismo estrutural e pela branquitude, dimensão que a psicanálise muitas vezes evita encarar. Em diálogo com Freud, Lacan, Fanon, Preciado e, especialmente, Isildinha Baptista Nogueira, defendo uma escuta ética, potente e transformadora.

Recentemente, fui convidado a escrever um capítulo para o livro “Ainda cabe sonhar: sonhos nas produções clínicas e metapsicológicas”, organizado por Ana Lucia Bastos e Bruna Elage, com prefácio de Isildinha Baptista Nogueira e posfácio de Marilena Chauí, ao lado de um grupo incrível de psicanalistas. A obra deve ser lançada no primeiro semestre do próximo ano.

Neste artigo, que intitulei “Entre o Sonho e o Roteiro: Dramaturgias do Inconsciente”, aproximo psicanálise e escrita dramatúrgica ao propor que sonho e roteiro partilham uma lógica criativa. Ambos transformam fragmentos em narrativa. Com Freud, Lacan e Bion, discuto como condensação, deslocamento e montagem estruturam o trabalho do sonho e a escrita cênica/cinematográfica. Ao analisar Fellini, Buñuel, Dalí, Pina Bausch, Beckett e o Teatro da Vertigem, mostro como dramaturgias oníricas rompem a linearidade e convocam uma escuta ativa, análoga à escuta analítica. Sonhar e escrever tornam-se atos de metabolização simbólica. O primeiro íntimo, o segundo compartilhado. O roteiro, um “sonho para o outro”, habita o mesmo território em que arte e psicanálise se tocam: invenção, desejo e experiência humana.

Agora, a convite de Sergio Zlotnic, escrevi o posfácio de sua obra, que intitulei “Escrever é escutar com o corpo”. Nele, analiso a proposta de Zlotnic de uma travessia entre teatro e psicanálise, campos que emergem do mesmo território sensível, o do corpo e do inconsciente, e que investigam o humano sem fronteiras rígidas entre saber e arte. Faço coro ao autor ao afirmar que criar, seja na cena ou na clínica, exige vulnerabilidade, escuta e coragem diante do não saber. Seu texto combina relato, ensaio e poesia, apostando numa escrita constelacional, aquela que acolhe o desvio, o silêncio e o lampejo, e convida o leitor a ler como quem assiste a uma peça: habitando o mistério e a vertigem do ato de criar.

 

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
Post criado 1950

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