Os que sonharam antes

No início de 2019 soubemos que o imóvel onde residiu o Cine Bijou, de 1962 a 1996, estava vago e para aluguel. Na verdade, soube através de um amigo que me procurou para dizer que estava pensando em transformar o espaço em um bar. Fiquei apavorado e traí o meu amigo.

Ao desligar o celular, liguei para o senhor Francisco, proprietário do prédio, dizendo que estava interessado na locação. Fui informado de que havia uma pessoa interessada e que, caso não efetivasse o negócio com ele, me ligaria. Mas o homem não foi muito amistoso, não. Homem de palavra, foi taxativo:

— Preciso respeitar quem me procurou antes.

Assim, enquanto negociou com esta pessoa que estava na minha frente, não quis saber de conversa. Sim, o senhor Francisco, descobri ali, era mesmo um homem que honrava a sua palavra.

Mas o meu amigo, que me procurou dizendo que queria criar um bar naquele espaço, não era o primeiro da fila. Com a minha aproximação na história, ele ficou em terceiro lugar nas negociações porque ligou depois de mim. O primeiro era o escritório de advogados de uma… igreja!

Quando soube disso fiquei mais desesperado ainda. A igreja, me disseram, era para atrair os skatistas e artistas da praça. Eu me apavorei. Fiquei com medo de ser abduzido por aquela congregação.

— A mesa do altar será formada por um skate gigante e um grupo de rock cantará os louvores, me contaram.

Então eu, mais uma vez, procurei o senhor Francisco que quando soube daquela história de igreja, me colocou em primeiro lugar na fila das negociações.

E foi assim, então, que no dia 1º de abril daquele 2019 assinamos o contrato de locação do imóvel. Três anos atrás, vejam só! O que não contávamos é que apareceria uma epidemia no meio do nosso caminho. Mas estivemos, durante este tempo todo, sempre muito bem acompanhados.

Nesta placa, que estará no hall de entrada da nossa sala de cinema, o nome de pessoas que nos ajudaram nesta batalha. Obrigado, meu coração é inteirinho gratidão.

Ah, o meu amigo que queria transformar o cinema em bar, quando soube que eu havia me metido nas negociações com o proprietário do imóvel, me ligou para agradecer pela minha intromissão.

— Não faltam bares, mas faltam salas de cinema. A cidade não precisa de mais um bar, entendi o seu recado, me disse antes de desligar o telefone.

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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