Não fui amigo do Jô, infelizmente. Até chegamos a falar sobre isso mais de uma vez, que poderíamos ter nos tornado grandes amigos.
Contudo, falávamos de vez em quando. A maioria das vezes sobre banalidades.
Me lembro de uma dessas vezes que ele me ligou pedindo uma dica de onde encontraria bigodes ou barbas cênicos. Ou algum produto para colar estas barbas ou bigodes. Em outra, se eu tinha uma cópia do texto “O que Recebe as Bofetadas”, de Leonid Andreyev.
— Vocês têm muitos haters.
— Quem está falando?
— É o Jô, aqui.
— Jô, querido, quanto tempo!
— Eu estava lendo ontem o Thomas Bernhard e lembrei de você. Mas daí, me lembrei também, que sempre que falava dos Satyros pra alguns amigos, ouvia umas barbaridades sobre vocês.
— Ah, os haters.
— Confesso que aproveitava e metia uns venenos no meio, só pra ver como eles continuavam.
— Não, você não fez isso!
— Pior é que fiz. E eles continuavam. Falaram cada coisa!
— Nem quero saber.
— Melhor não saber mesmo. As respostas eu encontrei no seu livro, “Todos os sonhos do mundo”.
— Ah, você leu?
— Inclusive tava me preparando para te ver no teatro. Mas daí veio a pandemia.
— Que momento mais triste!
— Nem me diga.
— E tá tudo bem?
— Não tá tudo bem.
— É, não tá.
— Mas vamos falar de coisas boas? Você já leu “O Náufrago”, do Bernhard?
— Há muito tempo! Gosto muito do livro.
— E o que você acha de uma adaptação para o teatro?
— Difícil demais. Eu não toco piano.
— Ah, não me venha com essa conversa.
— Impossível não pensar que os protagonistas são pianistas.
— Mas a discussão do livro tem a ver com os haters. Nada mais atual. Quantas pessoas não desistiram de seus projetos porque encontraram haters pelo caminho?
— Ih, preciso reler o livro.
— Você ficou chocado em saber que tem haters?
— Nem um pouco. Eu conheço todos eles. Sei seus nomes, inclusive.
— Já é um bom começo. O livro traz várias discussões importantes. Tem humor, o que é extraordinário. E você precisa de mais humor no seu trabalho.
— A redenção dos Satyros nunca terminou no carnaval do Zé Celso.
— Sabe qual é o problema de “A Filosofia na Alcova”?
— Não sei.
— Aquele bacanal, no final, não podia ser depressivo. O filme tinha que ter terminado em Brasília, em frente ao prédio do Congresso Nacional. Um bacanal em frente ao Congresso Nacional!
— Se você soubesse em que condições fizemos o filme!
— Vamos fazer este “Náufrago” e falar, então, dos haters dos Satyros?
— Já é uma ordem! Vamos!
— Então releia o livro e voltamos a nos falar.
— Ok, farei isso.
— Um beijo.
— Outro beijo, Jô.