No meio do caminho tinha uma pedra

A Satyrianas de 2019 foi uma das edições mais importantes dos últimos anos. Grandes encontros, ambiente de diálogo e cultura, centenas de espetáculos teatrais. O espírito de arte e afetividade dominou os dias que fizeram desta festa uma catalisadora de artistas e público sedentos de experiências.

 No entanto, no sábado à tarde, um fato completamente inesperado ocorreu. Três atores negros dos Satyros (Mariana França, André Luh e Israel Silva) foram agredidos enquanto faziam uma performance na Praça Roosevelt, que tratava da questão da opressão de corpos negros.

 Nossos atores foram covardemente atacados, xingados, humilhados e sofreram agressões racistas por um skatista branco que estava no local.

 Desde o início dos ataques, os artistas observaram o perigo da situação e pediram proteção contra o agressor à base da PM. No entanto, sem efeito. Quando a situação praticamente saía do controle, um sargento se aproximou e simplesmente pediu ao skatista para se afastar. Diante dos protestos dos artistas e do público ao liberar um agressor que poderia ter sido preso em flagrante, o sargento se dirigiu aos atores dizendo:

 — Se vocês estivessem na igreja, não estariam apanhando.

 A frase chocante para um agente público de segurança acabou gerando protestos e tornou a situação ainda mais difícil.

 Posteriormente, Gustavo Ferreira, coordenador geral da Satyrianas, ao tentar colocar sua indignação diante das atitudes do sargento, foi alertado por um soldado que estava ao seu lado de que, se ele continuasse a se exaltar, poderia ser preso por desacato à autoridade.

 Esta situação desestabilizou a todas e a todos, gerando o cancelamento de várias atividades artísticas que estavam previstas para aquele dia, devido ao estado vulnerável em que os artistas negros se encontravam.

 Além destes fatos lamentáveis, no domingo a Praça Roosevelt despertou às seis horas da manhã com uma suástica construída por garrafas de cerveja no seu centro, em clara provocação ao festival.

 Na semana em que se celebra o Dia da Consciência Negra, estes eventos lamentáveis só demonstram o espinhoso caminho que ainda temos que percorrer para chegar à uma sociedade saudável e justa.

 Todo o nosso apoio e amor aos atores André Luh, Israel Silva e Mariana França, que demonstraram coragem e dignidade ao enfrentar agressões – do agressor e da PM – de tamanha covardia. E o que mais choca: foram atacados simplesmente por estarem fazendo arte!

 Os Satyros sempre lutarão pela arte, pelo diálogo e pela justiça.

 A Satyrianas sempre será uma festa de celebração da vida e da arte para tempos melhores.

 Não vamos nos calar diante de absurdos que estão sendo, dia após dia, naturalizados de forma sistemática na sociedade brasileira.

 São momentos como este que nos fazem enxergar a responsabilidade que temos que manter na discussão de um futuro melhor para todos.

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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