NA SUÉCIA | Anna, Você Pode Ficar, que escrevemos para o Grupo Darling Desperados, estreia em Estocolmo

Nos anos 1990, o grupo Darling Desperados sacudiu a cena teatral sueca com a força de quem acredita que o palco é também uma forma de resistência. Os que assistiram o trabalho deles garantem que havia algo de indomável naquele modo de encarar o teatro, algo que misturava paixão e abismo. Anos depois, a vida nos aproximou, e eu e Rodolfo García Vázquez construímos uma amizade que virou também criação, afeto e memória.

Foi assim que nasceu A Neve do Brasil – Anna, você pode ficar, uma peça que escrevemos especialmente para Ulrika Malmgren e Katta Pålsson, duas artistas de alma rara, fundadoras do Darling Desperados. Quisemos, com esse texto, fazer uma homenagem dupla. Ao grupo que tanto admiramos e à nossa relação com a Suécia, que há quase duas décadas alimenta as nossas invenções e nos devolve sempre ao essencial – o encontro.

A história se passa num casarão em ruínas, numa ilha varrida pelo vento, onde Anna vive cercada de lembranças e sonhos que insistem em não morrer. Ela foi artista de circo, conheceu o brilho dos refletores, o calor da plateia, o perfume das serragens. Mas esqueceu o que é sentir-se viva. Com sua irmã gêmea, Jonna, traça um plano para escapar da miséria e voltar ao ponto de origem, o lugar onde tudo começou e, talvez, tudo possa se refazer. Entre as duas, porém, mora o silêncio, espesso e antigo, e o peso de um trauma familiar que insiste em permanecer.

Enquanto escrevíamos, pensei muitas vezes nas ilhas, as reais e as simbólicas. Pensei nas que criamos para sobreviver, nas que nos isolam e nas que nos salvam. Essa ilha da peça é também um espelho do mundo. Ninguém pertence inteiramente a ela, e todos carregam algo que não se diz. Há solidão, sim, mas há também um fio de sonho, tênue e luminoso, que se recusa a apagar.

A estreia mundial aconteceu em 15 de setembro de 2024, no Moriska Paviljongen, em Malmö. Foi emocionante ver aquelas mulheres, Ulrika e Katta, transformarem palavras em matéria viva, em respiração. A peça traz no elenco, ainda, duas lendas do teatro sueco, os atores Staffan Göthe e Bengt Braskered.

Em breve, o espetáculo seguirá em turnê pelos Estados Unidos, Argentina e Brasil. A peça agora vai se apresentar no palco do Unga Klara, em Estocolmo, onde nós, Satyros, já tivemos o privilégio de nos apresentar.

Voltar a esse teatro é como reencontrar um velho amigo sob uma luz de inverno. É ver a neve cair sobre o Brasil – metáfora e milagre – e compreender que o teatro é, afinal, esse lugar onde distâncias se dissolvem e o impossível se torna paisagem.

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
Post criado 1966

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Posts Relacionados

Comece a digitar sua pesquisa acima e pressione Enter para pesquisar. Pressione ESC para cancelar.

De volta ao topo