O psicanalista Carlo Antonini já havia me emocionado em “O Conto do Amor”, o romance de estreia de Contardo Calligaris, de 2008. Na obra, o protagonista, que vive em Nova York, recebe uma revelação bastante inusitada: a de que seu pai, em outra vida, havia sido ajudante do pintor Sodoma (1477-1549).
O livro, num ritmo de thriller, se desenvolve rápido e nos deixa o tempo todo com o coração na garganta. Afinal, o que interessa ali – e a grande sacada do livro – é a busca da identidade. Surpreendente, no entanto, é a alternação das vozes do narrador: ora através de cartas, diálogos ou trechos do diário do pai.
No ano passado, porém – e para minha surpresa –, me reencontro com o estiloso Antonini em “A Mulher de Vermelho e Branco”. Desta vez, o charmoso psicanalista está em Nova York, se preparando para sair de férias para São Paulo, quando surge em seu consultório Woody Luz, uma misteriosa paciente.
O encontro acaba revelando uma conspiração onde um grupo acusado de práticas terroristas, um crime, um matrimônio em crise e choques culturais serão o mote para vários mistérios que irão prender o leitor do início ao fim da obra. A referência ao título é um evento que a enigmática Woody Luz está organizando, ao lado dos dois filhos, onde tudo será decorado de vermelho e branco.
Também se junta à trama, a vietnamita LeeLee, uma antiga namorada de Antonini, da época em que viveu em Paris. O enredo tem três momentos – 2003, 2010 e 2011 – e se passa, também, em três cidades – Nova York, São Paulo e Paris. Cheio de ambiguidade e camadas, é elegante e confisca nosso fôlego o tempo todo. Lúdico, trabalha em planos bastante distintos.
Mas são os olhares – ou quem sabe tão somente os pontos de vista – que dão à obra o tom mais relevante. Afinal, se a memória trabalha com a ilusão da realidade – porque no momento em que se elabora, embora conectada ao passado, se dá no presente – estaremos sempre na construção de um olhar que pode, na medida em que relata, nos trair e transitar no terreno da ilusão ou da impostura.
Mas isso não é exatamente o mais importante neste livro de Calligaris que disse, certa vez, que “a ficção preenche espaços onde a realidade não encontra respostas”. Neste “A Mulher de Vermelho e Branco”, tanto narrativa quanto linguagem são múltiplas, multifacetadas. Prova de que tanto vida quanto literatura são ambíguas; e realidade e ficção, de fato, podem caminhar num mesmo fluxo sem, porém, conviver num mesmo terreno, dentro de uma mesma possibilidade.
Ainda encontramos na obra dois terrenos distintos: história e análise. História, neste caso, realidade – embora estejamos no plano da ficção – que conta e organiza um enredo; e análise – o plano psicanalítico –, que, ao mesmo tempo em que analisa as ideias, as organiza.
Mais bonito no trabalho, no entanto, são as divagações de Antonini que acaba por dividir com o leitor suas inseguranças e inquietações. Nesta ordem, o leitor acaba por se tornar uma espécie de paciente do psicanalista.
Como no primeiro romance de Calligaris, “O Conto do Amor”, este “A Mulher de Vermelho e Branco” flerta o tempo todo com a linguagem do cinema. E, tanto um livro quanto o outro, poderiam, tranquilamente e sem muitas alterações, ser transpostos para os ecrãs com grandes possibilidades de sucesso. Afinal, contar histórias é o que Calligaris melhor sabe fazer.