Quando inauguramos a SP Escola de Teatro, em 2009, no coração do Brás, eu não sabia que o bairro se tornaria uma espécie de espelho invertido da minha própria concepção de mundo. Vindo de uma vida pautada por reflexões sobre o meio ambiente, eu ainda pensava esse conceito como uma paisagem de árvores, rios, pássaros, riachos correndo por entre pedras. Uma ideia verde, quase romântica.
Mas o Brás me desmentiu.
Aquele pedaço de São Paulo, brutalmente urbano, com suas calçadas gastas, suas ruas estreitas, sua poluição impregnada no ar e na pele, me obrigou a uma guinada. Ali, no asfalto quente e na falta de sombra, percebi que meio ambiente não é apenas o que se vê da janela de uma área rural. É o que se sente no corpo. É o cheiro do ar que se respira, a temperatura que se enfrenta, o lugar que se ocupa – ou se tenta ocupar – no mundo. Meio ambiente, compreendi, é também a estrutura invisível que regula o acesso, o afeto e a possibilidade de existir com dignidade.
Foi ali, na ausência de verde, que descobri que o meio ambiente é sobretudo humano. Que não se trata apenas de salvar as árvores do planeta, mas de garantir que as pessoas não adoeçam em seus trabalhos, não sejam esmagadas pelo cansaço, não tenham que escolher entre viver ou sobreviver.
Com essa percepção, minha ideia de ecologia se expandiu. Era preciso criar outro tipo de floresta. Feita de relações, sobretudo.
E foi assim que começamos a construir, na Adaap, a associação que gere a nossa escola, um espaço onde o cuidado fosse política. Um lugar onde se pudesse trabalhar e, ao mesmo tempo, respirar. Criamos o que muitos chamaram de “utopia de gestão”, mas que para nós era só coerência com aquilo que acreditávamos. Implantamos 45 dias de férias por ano. Suspensão do trabalho nos aniversários. Licença-maternidade de seis meses quando a lei ainda previa apenas três. Licença-paternidade de um mês, num país onde os pais, até hoje, são pouco mais que figurantes nas cenas do nascimento. Concedemos um dia de dispensa por semana aos nossos colaboradores que estejam cursando mestrado ou doutorado – flexibilidade para estudantes universitários que lutam para manter seus horários de aula e trabalho sem colapso.
Tudo isso nasceu não só da generosidade — mas da ideia de que ecologia também se faz com tempo, com escuta, com respeito aos ritmos do outro. Porque não existe sustentabilidade possível onde há exaustão. O burnout é o desmatamento da alma.
E se o ambiente era hostil, nós florescemos onde ninguém imaginava. Concedemos bolsas desde o início da Escola — até hoje, uma parte significativa dos nossos estudantes recebe mensalmente um auxílio de R$ 675,00 para estudar com alguma tranquilidade. Promovemos mais de 300 intercâmbios internacionais, em quatro continentes – sempre garantimos passagem, hospedagem, alimentação. Nossos estudantes foram para países onde talvez nunca sonhassem pisar. Porque democratizar o meio ambiente é também permitir que alguém de origem periférica pise em solo estrangeiro e compreenda que pertence ao mundo.
Em 2011, plantamos mais de 200 árvores no bairro, em parceria com a subprefeitura. Não eram apenas mudas. Eram gestos. Um tipo de poesia contra o cimento. Uma declaração de fé num futuro mais respirável.
Mas a verdadeira floresta estava sendo erguida por dentro. Entre vínculos de trabalho mais justos, afetos que atravessam departamentos, a escuta que substitui a ordem, a confiança como metodologia.
Meio ambiente, hoje entendo, é tudo aquilo que media a nossa permanência no mundo. É o chão que nos acolhe, o teto que não desaba, o horário que respeita a noite, o salário que garante o direito de seguir, o afeto que não desmorona. É o direito de não apenas existir, mas de estar inteiro.
Há quem ainda pense em meio ambiente como algo separado da gente. Como se fosse lá fora. Mas o ambiente está dentro. Nos modos como construímos presença, cuidado, pertencimento. A ecologia mais urgente é a das relações.
Seguimos, de forma ainda discreta, infelizmente, colorindo o mundo em que acreditamos. E que ele seja múltiplo, resistente e radicalmente amoroso. Porque, no fim, é possível, sim, reflorestar o impossível.