Lô Borges morreu. E com ele foi embora uma parte inteira da minha juventude. Aquela que misturava menino e adulto, ingenuidade e desejo, o espanto dos anos 1970 e a dureza de um futuro que chegava depressa demais. Lô foi a trilha de um tempo em que a gente ainda acreditava que a beleza podia nos salvar. E, de certo modo, salvou.
Era ele quem cantava o que eu não sabia dizer. O amor em estado de confusão, o corpo em busca de um nome, o medo de existir. “Um girassol da cor dos seus cabelos” foi mais do que uma canção. Foi uma senha para entrar num mundo em que tudo era possível. O Clube da Esquina era isso. Um refúgio inventado contra as violências de fora, contra as culpas de dentro. E Lô estava ali, menino também, inventando a leveza como quem inventa um idioma novo.
Com ele aprendi que se pode cantar de mansinho e, ainda assim, gritar o mundo inteiro. Que não é preciso tamanho para ser grande. Que há uma coragem imensa em permanecer doce. Lô Borges ensinou um jeito mínimo e radical de estar no mundo. Uma vida de liberdade, tênis gasto, e uma vontade de seguir adiante, pedindo carona pelas estradas, indo para qualquer lugar. Um qualquer lugar que era o mundo inteirinho.
Penso que talvez tenha morrido triste. Porque o tempo em que vivia já não sabia mais ouvir a delicadeza. A pressa comeu a poesia. A leveza virou suspeita. Mas mesmo assim, ele resistiu compondo canções que eram quase orações.
Lô Borges não foi só um músico. Foi um estado de espírito. Foi o menino que nunca quis crescer inteiramente, porque sabia que é na pureza, e não na esperteza, que mora a invenção.
É. Hoje o mundo está mais áspero. Há tempos vimos perdendo um pouco de sua leveza. Mas quem ouviu Lô de verdade sabe que há uma fresta, uma esquina, onde ainda cabe um girassol.
