por Majô Levenstein
Quando surgiu caminhando pelo saguão da Sede Roosevelt da SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco, ontem (29), pontualmente às 19h, o cartunista Laerte usava o seguinte figurino: saia jeans na altura dos joelhos, camisa feminina estampada com pequeninas flores, sapatos pretos e de saltos discretos, além de brincos, pulseiras e anéis. Como toque final, uma pashmina azul e, de vez em quando, um leque preto à mão, para aliviar o calor provocado pelas luzes do lugar.
Laerte estava ali para inaugurar sua exposição de quadrinhos “Muriel Visível”. A mostra, que permanece disponível para visitação do público, das 9h às 21h, faz parte da SP TransVisão – Semana da Visibilidade Trans. E foi aberta numa data bem significativa: 29 de janeiro é o Dia da Visibilidade Trans.
Era para ser um simples vernissage, com direito a coquetel, mas acabou mesmo virando um debate comandado por Laerte e Marcia Rocha, da Associação Brasileira de Transgêneros (Abrat). E o tema, claro, começou pelo “cross-dressing”, estilo adotado pelo cartunista desde 2009, quando ele passou a se vestir com roupas e acessórios femininos. “Na verdade, essa história já estava em mim há muito tempo. Percebia isso nos meus quadrinhos, na personagem Hugo, que é, como os psicanalistas dizem, meu alterego. Um dia, num dos cartoons, o Hugo resolveu se montar, dizendo ‘Às vezes um cara tem que se montar, ué’. E daí percebi que essa era uma vontade minha”, relembra. “Mas até vestir minha primeira saia e sair às ruas, levou um bom tempo. A Marcia (Rocha) me ajudou muito. Lembro da primeira vez em que vesti uma saia para ir à padaria. Ganhei até ‘fiu-fiu’ na rua”, continua.
A história só ganhou a mídia quando, em 2010, durante uma entrevista à revista Bravo!, o repórter reparou nas unhas pintadas de Laerte. Pergunto o porquê daquilo e o cartunista explicou que gostava de se vestir assim. “Ele perguntou se poderia publicar aquilo. Eu disse que sim, imaginando que ninguém iria ler (risos). Depois, vi que estava errado, com tantos jornais e outras revistas querendo me entrevistar. Só liguei pra minha mãe e avisei o que estava acontecendo: Que eu, dali por diante, iria me vestir de mulher todos os dias. Ela disse que tinha umas saias que não usava mais (risos). As saias eu não aceitei, mas até que tenho algumas blusinhas que eram dela”, brinca.
Depois, Laerte e Marcia passaram a responder às questões da plateia, formada por gente comum e por famosos, como a atriz e musa da Cia. de Teatro Os Satyros, Phedra D. Córdoba, a atriz Fernanda D’Umbra e o estilista Dudu Bertholini, um dos primeiros a questionar o cartunista sobre o “cross-dressing” ser algo que transcende a separação dos gêneros feminino e masculino, servindo como uma marca, uma identidade da pessoa, que faz dela alguém diferente e destacado da massa. “Sim, pode ser isso, claro. Eu me visto assim porque isso faz parte de mim. Os gêneros feminino e masculino foram criados e são praticamente irreais. São referências, às quais a sociedade obrigou-se a se enquadrar”, respondeu Laerte.
Algumas pessoas da plateia perguntaram a Marcia Rocha a respeito da necessidade (ou não) de trans e travas se organizarem, a fim de cobrar do governo políticas sociais, de saúde e de inclusão. “Olha, eu acho que o governo tem feito ações para nos ajudar. Ainda é pouco? Sim. Mas acredito que há mobilizações, como a que está acontecendo aqui, hoje, que são muito frutíferas e promissoras”, disse Marcia.
“É um orgulho enorme para a Escola receber o Laerte aqui e a sua exposição, ‘Muriel Visível’. A trajetória dele, tanto pessoal quanto profissional, é incrível”, afirmou Ivam Cabral, diretor executivo da SP Escola de Teatro, ao final do evento.
A SP TransVisão segue hoje (30), com a exibição do documentário “Quem tem Medo de Cris Negrão?” (Brasil, 2012, 25 min.). Dirigido por René Guerra, o filme narra a história de Cristiane Jordan, ou Cris Negrão, uma travesti e cafetina do Centro de São Paulo, conhecida por seus métodos violentos. Odiada e temida, também cultivava fãs. Foi assassinada tragicamente, em setembro de 2007. A partir dessa história, o curta propõe um mergulho no submundo paulistano, reunindo depoimentos de quem conviveu com Cris Negrão, como Phedra D. Córdoba, Divina Núbia, Thalia Bombinha, Greta Star e Roberta Gretchen. Após a sessão, haverá um bate-papo com a equipe técnica e o elenco. A entrada é gratuita e todos estão convidados!
Sobre a SP TransVisão
Em uma iniciativa inédita, a SP Escola de Teatro sedia a SP TransVisão – Semana da Visibilidade Trans. O evento, que reúne debates, exposição, filme, teatro e performances, é promovido pela própria Escola, em parceria com a Comissão da Diversidade Sexual e Combate à Homofobia da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de São Paulo (OAB – SP); a Coordenação de Políticas para a Diversidade Sexual da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania; a Assessoria de Gêneros e Etnias, da Secretaria da Cultura; a Associação Brasileira de Transgêneros (Abrat); a Associação Brasileira de Homens Trans (ABHT); a Companhia de Teatro Os Satyros; a Associação dos Artistas Amigos da Praça (Adaap), e o Governo de São Paulo.
O objetivo do encontro é abrir mais um espaço para o debate sobre a tolerância e a diversidade.
Serviço
Evento: SP TransVisão – Semana da Visibilidade Trans
Quando: De segunda (28) a sexta (1º), às 19h
Onde: SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco
Praça Roosevelt, 210 – Consolação
Tel. (11) 3775-8600
Peça: “Inferno na Paisagem Belga”
Quinta (31), às 21h
Onde: Espaço dos Satyros Um
Praça Roosevelt, 214 – Consolação
Tel.(11) 3258-634
Toda programação do evento tem entrada gratuita.
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