FOLHA DE S.PAULO | Retrospectiva 2020: conheça cinco peças que traduziram a experiência do teatro na internet

por Clara Balbi

Mesmo que no finzinho do ano passado já se ouvisse falar do surgimento de um novo vírus do outro lado do mundo, ninguém poderia imaginar que as palavras mais repetidas de 2020 seriam: lave as mãos, passe álcool em gel, vista a máscara e —a campeã de todas— fique em casa.

Foram meses de incertezas e, principalmente, de adaptações. Acostumados com a efervescência da capital, os paulistanos tiveram que trocar a muvuca dos shows por lives, os cinemas pelo streaming e a cervejinha da happy hour por drinques engarrafados pedidos pelo celular.

Para o teatro, o ano da pandemia também foi difícil. Financeiramente, é claro, já que de todas as áreas da cultura, ele talvez seja o que mais depende de bilheteria. Mas também conceitualmente —fazer uma cena ao vivo, mas longe do público, pode ser considerado teatro?

Não à toa, a maioria dos espetáculos apresentados virtualmente preferiu se definir não como peça, mas experimento teatral. Mesmo assim, algumas dessas produções souberam traduzir com maestria a experiência de comunhão tão característica dessa arte para uma realidade mediada por telas. Veja quais são elas abaixo.

A Arte de Encarar o Medo
Texto: Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez. Direção: Rodolfo García Vázquez. Com Ivam Cabral, Eduardo Chagas, Nicole Puzzi e outros

Talvez por ter sido uma das primeiras a desbravar o Zoom enquanto ferramenta dramática, juntando um elenco numeroso numa mesma tela, a montagem dos Satyros foi importante para apontar um caminho para o teatro num momento em que a sua migração para o virtual ainda era posta em xeque. A trama, que imaginava o mundo ainda em quarentena 15 anos depois, abordou o sofrimento daquele início da pandemia com delicadeza, incorporando relatos do público à narrativa.

Caso Cabaré Privê
Concepção e direção: Pedro Granato. Texto: Tainá Muhringer e Felipe Aidar. Com Andressa Lelli, Bella Rodrigues, Bruna Martins e outros
A premissa deste espetáculo do Núcleo Pequeno Ato, de pedir ao público ajuda para desvendar um assassinato, podia até parecer ingênua no papel, saída de um filme de “whodunnit”, quem matou, ou de um jogo de tabuleiro. Mas a engenhosidade do texto ao insinuar o contexto político atual não permitiu uma leitura tão simplista. Além disso, interagir com outros espectadores depois de tanto tempo em quarentena divertiu ao mesmo tempo em que lembrou que, apesar da sensação de mãos atadas produzida pela pandemia, pensar o país coletivamente é não só possível, como crucial.

Peça
Texto e interpretação: Marat Descartes. Direção: Janaina Leite.
O ator Marat Descartes começava este monólogo lavando a louça, pedindo desculpas pelo atraso, e logo ia se esconder no banheiro —lugar, justificava, com a melhor conexão de internet da casa. Quem acompanhava seus passos do outro lado da tela não tinha certeza se a tal “Peça” já tinha começado. Uma dúvida que, em vez de ser esclarecida, só crescia à medida que a trama avançava. Com direção de Janaina Leite, conhecida pelas pesquisas sobre autoficção, este talvez tenha sido o espetáculo que melhor traduziu a claustrofobia e a paranoia deste ano, sem, no entanto, sucumbir a elas.

Tudo o que Coube numa VHS
Concepção, texto e interpretação: Giordano Castro, Bruno Parmera, Erivaldo Oliveira, Mário Sergio Cabral, Lucas Torres e Pedro Wagner.
Baseando-se numa troca de mensagens entre um ator e um espectador numa série de redes sociais, como Whatsapp, Instagram, YouTube, email e até Spotify, o experimento do grupo pernambucano Magiluth mostrou que não só é possível desenvolver um enredo sem palco, figurino e outras noções do teatro tradicional, como conquistar o público assim mesmo —seus ingressos foram um dos mais disputados da temporada.

Histórias de Confinamento
Texto: Eduardo Moreira. Direção Eduardo Moreira, Inês Peixoto e Thiago Sacramento. Com Antonio Edson, Eduardo Moreira, Fernanda Vianna e outros.
O mineiro Grupo Galpão fez até um documentário antes de embarcar no formato de encenação ao vivo. Mas este espetáculo de menos de uma hora de duração, construído a partir de mais de 500 relatos enviados pelo público, fez a espera valer a pena, apresentando uma meditação sutil sobre uma pandemia que, afinal, ainda não terminou.

Fonte: Folha de S.Paulo

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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