FESTA | Maria, potência de vida

Daqui a pouco embarco para o Rio de Janeiro. Viagem breve, um sopro. Ficarei na cidade por cinco horas apenas, como quem atravessa um sonho de olhos abertos. Vou para a inauguração da megaexposição de Maria Bonomi no Paço Imperial – lugar onde a história pulsa em paredes antigas e, agora, se deixa atravessar pela contemporaneidade de uma mulher que nunca deixou de olhar o futuro. Já começo a viagem dentro de mim, porque falar de Maria é sempre atravessar um território de assombro.

Sem nenhum exagero, Maria é das artistas visuais mais potentes do planeta. Acabou de completar noventa anos e continua no ofício como se tivesse acabado de chegar à função, sempre inaugurando um mundo novo, sempre mais fundo, sempre mais forte. Quando penso na Maria, me pergunto de onde vem tanta energia, de onde brota essa força que não se esgota. A cada nova obra, ela parece se reinventar, como se o tempo, em vez de pesar, lhe desse asas.

Tenho o privilégio de conviver com ela de perto, sem intermediários, há muitos anos. Sou testemunha de sua intensidade, da sua paixão pela vida. Somos amigos de trocas cotidianas. Quando não temos um assunto urgente, é pelo WhatsApp que inventamos o pretexto para o laço permanecer. Um bom dia, um boa noite, apenas para lembrar que seguimos lado a lado. É bonito demais saber que não precisamos de grandes acontecimentos para cultivar encantamento.

Hoje vou vê-la em seu habitat: rodeada de arte, celebrada no Paço, reverenciada como merece. Hoje é dia de abraço apertado, de gratidão confessada, de reconhecimento público e íntimo. Porque Maria não é só a artista imensa. É também conselheira ativa da Adaap, a associação que gere a SP Escola de Teatro. E esse conselho, do qual ela é pilar, já me salvou inúmeras vezes. Inclusive, recentemente.

Nos instantes em que a ideia de desistir me rondou – mais recentemente, na semana passada – foi nela que encontrei braços firmes a me sustentar. E não só ela. Wagner Brunini, Hubert Alqueres e Isildinha Baptista Nogueira, que literalmente me pegou no colo, foram igualmente presença de amparo. É comovente reconhecer que a força que hoje descubro em mim é, em grande parte, fruto do gesto generoso dessas pessoas.

Parto para o Rio com o coração cheio de agradecimento. Talvez a vida seja exatamente isso: a capacidade de se deixar atravessar pela potência dos outros e, assim, aprender a ser maior. Maria me ensina isso todos os dias. E, ao lado dela, Lena Peres, sua esposa igualmente querida e atenta, que com sua presença delicada e firme também tem sido parte essencial desse processo de acolhimento e amor.

E sigo pensando que, se há um segredo para resistir ao peso dos dias, ele está aí. Nas mãos que nos erguem, nos olhares que nos animam, nos abraços que nos devolvem à vida. Maria e Lena são dessas presenças raras que lembram que, por mais breve que seja uma viagem, ela pode conter o infinito.

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
Post criado 1928

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