FELIZ ANIVERSÁRIO PRA MIM

E rezava para que os padrinhos, no aniversário seguinte, me comprassem uma caixa enorme de lápis de cor ou um estojo de canetinhas Sylvapen.

A madrinha Maria, que na verdade era madrinha emprestada, fazia um bolo pequenino, cozido numa espiriteira, uma espécie de fogareiro a álcool. O bolinho tinha cobertura de açúcar e era confeitado com glacê e bolinhas coloridas. Uma vez por ano, todo dia 25 de junho, eu acordava ansioso. E toda vez a madrinha dizia que tinha esquecido o meu aniversário. E eu acreditava, todas as vezes. Meu coração batia forte quando, enfim, ela abria o guarda comida e me presenteava com o presente mais delicioso do mundo.

Os padrinhos de verdade, Zefa e Dito, nunca me ofereceram um presente assim como todo mundo ganhava. Brinquedo e roupa nunca me deram. No dia do meu aniversário, me entregavam sempre um envelope com algum dinheiro dentro. Que na verdade nunca virava presente. Eu sempre dava o envelope pra minha mãe que ficava com o dinheiro pra ajudar nas despesas de casa. E rezava para que os padrinhos, no aniversário seguinte, me comprassem uma caixa enorme de lápis de cor ou um estojo de canetinhas Sylvapen.

Os tios Antonina e João, padrinhos de crisma, me davam presentes raros. Uma vez, me ofereceram um leitãozinho. Vivo. Ficou no chiqueiro, no fundo do quintal, para engorda. E um dia. Ah, um dia! Nunca mais me esqueci deste dia. Um sábado, a família toda reunida, e… Doeu a alma, doeu o coração e até hoje aqueles grunhidos não me saem da cabeça.

Bibelô é um pequeno objeto de decoração que, nos anos 70, faziam muito sucesso nas estantes das casas das amigas da minha mãe. Não tínhamos estantes mas badrames, o nome que meu pai batizou as vigas que sustentavam as paredes de madeira da minha casa. Não tem nada a ver com baldrame, que está na fundação de uma construção. Até porque a minha casa não tinha nem fundação; a gente vivia mesmo num casebre. Mas nossos badrames eram cheinhos de bibelôs. Pois. Naquela manhã, me lembro bem, fazia frio. Ganhei um bibelô passarinho colorido do Dimi, meu irmão quatro anos mais velho. Mas não sei muito bem o por quê. Sou canceriano, cheio de manias, tinha bronquite, era um tanto mimado. Então eu quebrei o bibelô passarinho de louça jogando-o no chão. E o Dimi não ficou chateado, não. Começou a chorar e me abraçou. E me abraçava com força. Nunca, nunca mais esqueci aquele abraço.

Na minha infância, festa, festa mesmo eu nunca tive. Mas eu nunca me preocupei muito com isso mesmo. Porque eu ganhei tanta coisa bonita. Quando fiz 10 anos, por exemplo. A dedicatória não me deixa esquecer: “Para meu filho Ivam, com todo amor de sua mãe Eunice”. Está na contra-capa – sim, na contra capa mesmo! – de “O Feijão e o Sonho”, do Orígenes Lessa, que, vejam só, conta a história de um professor, ingênuo e sonhador, que, num país subdesenvolvido, onde a arte e a cultura não têm relevância alguma, vai produzindo suas poesias enquanto vai vendo seu mundo ruir.

Mas hoje, 25 de junho, é dia de festa. Faço anos. Como não tenho mais onde buscar o meu bolinho cozido na espiriteira, nem o envelope com dinheiro e nem vou ganhar mais nenhum livro da minha mãe porque também ela não anda mais por este planeta; e, embora não tenha organizado uma festa, festa mesmo, vou comemorar com o meu pessoal na SP Escola de Teatro. Faremos um almoço coletivo, uma prática já comum entre a gente, onde cada um leva um prato e no final todo mundo come um pouco da comida do outro.

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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5 comentários em “FELIZ ANIVERSÁRIO PRA MIM

  1. Ivam, meu querido, esse seu depoimento reforça cada vez mais em mim que éramos pobres diferentes dos pobres de hoje em dia. Morávamos em quarto e cozinha, no meu caso dormia em cama de abrir e fechar, não tinha presentes nem de aniversário, nem de natal… nem porisso crescemos traumatizados e infelizes…Éramos tão unidos aos pais e irmãos, e nessa base pobre é que erguemos nosso ego fraterno e solidário… Feliz lembranças, feliz celebração coletiva com a família atual, da SP Escola de Teatro..

  2. Fazia tempo que não via suas mensagens, ando lendo muito sobre educação, e sustentabilidade, preciso urgente escrever um artigo, mas hoje abro sua página e vejo uma história que muitos de nós vivemos, eu aida tenho uma madrinha que se lembra de meu aniversário, claro, é só um telefonema, mas ela se lembra, mas sabemos que sempre nossos aniversários eram iguais, sem muta festa, nas condições que vivíamos, para nós um bolo de fubá ou um bolinho assado de qualquer jeito era uma festa, mas éramos felizas e continuaremos ser eternamente felizes, Feliz Aniversário, um beijão,
    Luziangela

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