FELIZ ANIVERSÁRIO, DONA EUNICE

Meu pai, José Francisco, era pedreiro e analfabeto. Minha mãe, Eunice, era costureira e frequentou até a quarta série do primário. Eles têm uma história teatral.

Ambos paranaenses, se encontraram em Wenceslau Brás, cidade natal de minha mãe. Ela, evangélica, que vivia na zona rural, estava na cidade, na casa de uma irmã mais velha e casada, aprendendo corte e costura com dona Paulina, uma amiga de sua família.

José, católico, trabalhava na construção de uma casa vizinha à de dona Paulina quando conheceu Eunice. Apaixonaram-se. Mas a família da minha mãe não via com bons olhos aquele romance. Mesmo assim, enquanto aprendia o ofício de dona Paulina, minha mãe costurou seu próprio vestido de noiva.

Depois de muita confusão, meu avô teve que ceder e permitir o casamento dos dois. E como meu pai não se converteria à religião da família de minha mãe, meu avô, foi taxativo e não permitiu que os dois se casassem na igreja.

Com a união realizada somente no civil, minha mãe foi viver com meu pai em Ribeirão Claro. Levou consigo uma mala e seu vestido de noiva dentro.

Nos primeiros anos de casamento, nasceram meus irmãos mais velhos e Eunice nunca deixou de alimentar o desejo de se casar um dia vestida de noiva.

Como costureira, especializou-se em confeccionar vestidos de noiva. E ficou popular como costureira de vestidos de noiva. Um dia, a blusa de domingo de uma de minhas irmãs rasgou-se. Então, minha mãe tirou um pedaço de seu vestido de noiva e remendou a blusa da minha irmã. Daí, pra consertar o vestido de noiva dela, tirou um pedaço de tecido de uma cliente que tinha comprado tecido a mais e remendou o seu vestido.

Desse modo, seu vestido de noiva foi se transformando. Virou, inclusive, em algum momento, a roupa de batismo de um de meus irmãos. Mas ela sempre encontrava um jeito de refazer este seu vestido.

Dona Eunice só conseguiu realizar o seu sonho de entrar vestida de noiva numa igreja, anos depois de seu casamento no civil, quando já tinha três de seus seis filhos.

Há quatro anos, fui convidado pela TV Cultura para desenvolver um trabalho como roteirista e apresentei o projeto “A Noiva”, que contava esta história.

O telefilme, dirigido por Rodolfo García Vázquez e com um elenco numeroso, trouxe Cléo De Páris e Gero Camilo nos papéis centrais.

A história de Eunice e José também apareceu na peça “A Vida na Praça Roosevelt”, da alemã Dea Loher, apresentada em dezenas de países, desde que foi escrita, em 2005.

José morreu em 2000; Eunice, há pouco mais de dois anos. Se viva, teríamos hoje uma grande festa. Minha mãe nasceu no dia 27 de janeiro.


“A Noiva”, de Ivam Cabral
Direção: Rodolfo García Vázquez, TV Cultura, Brasil (2008)


“A Vida na Praça Roosevelt”, de Dea Loher
Montagem do diretor Radu Afrim, Romênia (2010)

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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10 comentários em “FELIZ ANIVERSÁRIO, DONA EUNICE

  1. PARABÉNS , IVAM POR MAIS ESTE TRABALHO MARAVILHOSO, E PARABÉNS TAMBÉM PARA O GRUPO SATYROS .
    PARABÉNS A NOSSA QUERIDA EUNICE.

  2. A infância é um dos doces sabores que guardo, e a vó Nice fazia parte disto, eu e as meninas esperavámos pelo tão sonhado fim de ano, as férias na casa da vó. E lá estava ela com tudo organizado, um pedaço do guarda-roupa livre pra minha mãe ajeitar as roupas, na cozinha em cima dos armários cinzas estavam as espetaculares bolachas de nata e na sala a árvore de natal. As neitaiadas todas correndo na sala quebrando as bolinhas da árvore, mas ela nem se aborrecia, as netas menores usavam os potes da cozinha pra brincar na terra e ela não ligava eu e uma prima sentavámos na penteadeira dela usavámos tudo e ela achava lindo, e qdo as férias chegavam ao fim era aquela tristeza, na hora de ir embora a vó ficava quase no meio da rua dando tchau enquanto o carro pegava o seu rumo, ela chorando de lá e nós de cá. Saudades!

  3. Ivam, que historia tan bella, ese vestido de novia que seguia creciendo, a pesar de su desgarro en las ilusiones de otras personas. Es todo un simbolo. Un simbolo de amor. Felicidades Eunice por tu fe tan sincera.

  4. E, de acordo com as histórias da D. Eunice, que ouvíamos sempre, e que contava de uma maneira, que parecia que estávamos vendo o que falava, os vestidos eram bordados a mão, sobre um pano limpinho, no chão, noite afora, para o casamento no dia seguinte. Quanta saudade!!!

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