CRÔNICA | O quase amor

Aos poucos, eu vou me apaixonando novamente. Sem grandes promessas, sem o ímpeto dos primeiros dias. Apenas o gesto tímido de quem volta a abrir uma janela depois de uma longa noite. Não é simples, nunca é, quando a gente já perdeu a fé em algo que um dia parecia eterno. Mas, para um coração vagabundo como o meu, o amor sempre foi um ofício. E talvez, também, uma teimosia.

Fui me desiludindo aos poucos, como quem percebe que o tempo passou sem pedir licença. Primeiro vieram as pequenas rachaduras. O entusiasmo que já não aparecia, o cansaço nos ombros, a sensação de que tudo se repetia. Depois, vieram as tempestades. A vontade de largar tudo, de deixar que o silêncio tomasse conta do que um dia foi casa. Quase esqueci. Quase rompi. Quase odiei. Mas o amor, eu aprendi, também mora nesse quase.

Porque ele, o amor, não é sempre radiante. Às vezes, é uma chama que insiste, mesmo tremendo. Outras vezes, é só o resto de uma brasa, escondida sob as cinzas, esperando o sopro certo. E há dias em que eu me pego soprando, mesmo sem saber se ainda há algo ali para reacender.

Talvez seja cansaço. Talvez seja esperança. Ou uma mistura dos dois, essa vertigem de quem já viveu demais para acreditar em recomeços, mas vive o bastante para saber que eles acontecem. O amor de hoje não tem o frescor de outrora, é verdade. Mas tem outra coisa. Uma serenidade que só vem depois do naufrágio.

Então, fico aqui, entre o cansaço e o desejo, perguntando se é possível um reset. Se dá pra acordar amanhã acreditando outra vez. Talvez sim. Talvez não. Mas por via das dúvidas, deixo o coração entreaberto. Caso o amor, disfarçado de ofício, resolva voltar a bater na minha porta.

Sim, é sobre o ofício este texto.

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
Post criado 1966

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