por Claudia Chaves
O amor pode ser encontrado dentro de casa, na sala de aula, na rua, em qualquer lugar. Amor e paixão não têm fronteiras nem regras. Amor é olhar, toque, proximidade, mão na mão, pele na pele, corpo no corpo. Essas são as premissas do espetáculo online “Uma Canção de Amor”, o novo trabalho da Cia. Os Satyros baseia-se no curta-metragem com duração de 28 minutos, de 1950, do autor Jean Genet.
Com dramaturgia de Ivan Cabral, junto com Rodolfo García Vázquez, que também assina a direção, ao lado de Gustavo Ferreira, o espetáculo é uma releitura da peça estreada pelo grupo em 2018. A montagem, encenada ao vivo no Zoom, com o jovem ator Henrique Mello e o experiente Roberto Francisco, é captada em preto e branco com um claro/escuro/esfumaçado, que é um forte suporte ao significado da história original. E é o jogo da cor que vai mostrar e explicitar o eixo dramático da peça. A opção de algo difuso, sem cor, triste, pesado, dramático realça a dramaturgia de Jean Genet, que, desde sempre, caracteriza-se pela força da visualidade.
Censurada, à época, por seu conteúdo homoerótico, a obra narra o relacionamento amoroso entre dois prisioneiros: um homem de meia-idade e outro, de 80 anos. Cada um em sua cela, eles passam seus dias sentindo o aumento da solidão e do desejo, sentimentos impulsionados pelo confinamento. Logo, os dois criam um sistema de comunicação entre si que permite a ambos dar vazão aos seus desejos físicos e emocionais. Jean Genet é o grande precursor de uma dramaturgia homoerótica que, ao mesmo tempo em que se insurge contra o preconceito, apresenta as situações como algo que provoca a extrema infelicidade.
As atuações de Henrique e de Roberto são capazes de nos fazer ver como é a dor de confinamento sem tempo para acabar, no qual os personagens vivem a situação-limite que mistura desejo, proibição e impossibilidade. A metáfora, perfeita para o momento em que vivemos, também evidencia que “a rosa nasce no asfalto”, como dizia o poeta. O amor pode surgir onde se encontram duas pessoas dispostas a abrir seu coração e a encontrar a cor.
Fonte: Correio da Manhã, 28 a 30 de maio de 2021