CRÍTICA | Cabaré de excelência

por Paty Lopes

 A Companhia de Teatro Os Satyros foi fundada em São Paulo, em 1989, por Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez. É pertinente dar-lhes essa informação para que saibam a dimensão desses artistas e trabalhos, os que já os conhecem sabem da perspicácia de Ivam e Rodolfo. Duas preciosidades do Teatro brasileiro, que durante a pandemia o Brasil teve a oportunidade de conhecer melhor. Os Satyros se reinventaram com uma superioridade incrível…

O que é o Cabaré? Um espaço democrático para a arte em geral — Ilusionismo, Teatro, Música, Mimica — geralmente frequentado por um público adulto e de natureza Underground, que abriga a Cultura do “submundo”. Uma experiência que engloba a tudo e a todos. Porque tudo pode acontecer nesse espetáculo. E fica perceptível a aproximação do Cabaré dos Satyros com o Teatro do Absurdo. O espetáculo apresenta o Cabaré Dada, como um estudo relevante do Movimento Dadaísmo, Movimento de Vanguarda, que nasceu em Zuríque durante a Primeira Guerra, liderado também por desertores do Exército alemão. Detalhe: o Movimento enfrentou na época a devastadora epidemia da Febre Espanhola. Parece que a história segue seu curso e se repete.

E o que o Teatro do Absurdo tem com isso? Segundo o doutorando Railson Almeida, da Paraíba, do teatro da UDESC, o estilo teatral é uma espécie de teatralização do Dada. E eles encheram as telas de arte, literalmente! Vincent Van Gogh está lá, com seu sotaque, diante dos espectadores, em pleno 2021. Que nobreza! A moça do brinco de pérola reclama da sua sobrancelha invisível. Dona Frida Kahlo também está presente e para deixar a plateia virtual em convulsão, aproxima-se de Giuseppe Arcimboldo, com seu delirante Vertumnus (Imperador Rodolfo III). Um brinde a arte provocante e chocante à família tradicional brasileira e à “burguesia”.

Ah! Isso foi de uma expertise ímpar, que pulo do gato foi esse? É arte, e mais arte, contribuindo com a educação da sociedade. Lógico, que não faltaram críticas contundentes ao Governo e como em qualquer espetáculo teatral que tem legitimidade, nunca é apolítico.

Aos que não apreciam a liberdade de opinião, a democracia exercida a plenos pulmões, segue o convite às passeatas criminosas e antidemocráticas, sem máscaras, com um vírus mortal a sua espera!

Mais uma vez, essa coluna apresenta uma crítica ao estilo teatral do Cabaré, o que no passado não acontecia, quando esse registro histórico era marginalizado. É bom saber que agora, os estudantes terão material para pesquisa. É o teatro pulsando, vivo, que acolhe todo tipo de manifestação.

Ainda impressiona as análises a que todos são levados. Quem somos? Se todos somos marionetes, quem manipula as cordas?

Incrível o olhar e a concepção do elenco, a costura das cenas, sob o olhar robusto e direção do brilhante Rodolfo García Vázquez. Vi Ionesco e os monstros dos rinocerontes, só faltou a mulher da cadeira de balanço do eterno Beckett. Os Satyros compreendem bem de expressões faciais, uma das companhias teatrais que mais produziu durante a pandemia, deixa evidente nas telas sua expressividade e, como Brechtianos, deixam também registradas as suas oposições políticas.

As indumentárias remetem ao Teatro do Ridículo, da década de 60, mas são Non-sense mesmo, sem lógica, cumprem o papel do Dadaísmo. A realidade dos brasileiros desnudada em um espetáculo “idiota”, “pobre” e “vulgar”, como é comumente chamado o Cabaré. Quiçá, um terço dos brasileiros tivessem em suas narrativas o conhecimento que esse elenco apresenta! Se ao menos soubessem que o Cabaré foi um espaço muitíssimo frequentado por pessoas abastardas, em uma época de prosperidade europeia. Eram locais aonde o entendimento permeava, a Ciência era erudita e o conhecimento prosperava, o que infelizmente, no Brasil, mesmo diante de tanta necessidade, em pleno século XXI, a Ciência engolida por um jacaré e sacramentada por mais de 600 mil mortes, causadas por um vírus identificado e decodificado.

Um espetáculo composto por jovens e experientes atores. Muita maquiagem, muita caracterização e muita cor por todos os lados. Jovens interessados em fazer acontecer.

Fica nítida a guerra contra o desgoverno, a rejeição popular pela boca de cada artista na tela do audiovisual.

E a quem o espetáculo não agradar, lembrar de Ariano é preciso!

“Não me preocupo muito em ter ou não uma posição como artista. Literatura (ou teatro) para mim não é mercado. É a minha festa, é onde eu me realizo. Digo sempre: arte é missão, vocação e festa. Não me venham com essa história de mercado.”

Aqui no Brasil a arte não é para os fracos, muito menos para vagabundos, artistas trabalham e gastam o que não têm para estudar e persistir na vocação e na missão que lhes foi dada. E eles abrem alas, sabe-se lá como… E o Cabaré é exatamente isso!

Ah! Em tempo, para conhecimento geral: Dada, significa brinquedo em francês, então, permitam-se brincar, porque é brincando que se coloca o bloco na rua, mesmo que fantasiados de mensalão, coxinhas, laranjas entre outras inspirações.


CABARET DADA

On-line e gratuito
Temporada até 01/11
Sábados e domingos, às 18h. Segundas, às 21h
Ingressos pela plataforma Sympla: https://www.sympla.com.br/eventos?s=satyros&tab=eventos


FICHA TÉCNICA
Dramaturgia: Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez
Direção: Rodolfo García Vázquez
Elenco: Alessandra Nassi, Alex de Felix, Andre Lu, Anna Kuller, Beatriz Medina,
Bruno de Paula, Cristian Silva, Dominique Brand, Elisa Barboza, Felipe Estevão,
Guilherme Andrade, Heyde Sayama, Ícaro Gimenes, Ingrid Soares, Julia Francez, Karina Bastos,
Luis Holiver, Maiara Cicutt e Vitor Lins
Participação em vídeo: Roberto Francisco
Assistência de Direção: Elisa Barboza
Diretora de Arte: Adriana Vaz
Assistência de Direção de Arte: Letícia Gomide
Produtor Geral: Silvio Eduardo
Produtora Executiva: Maiara Cicutt
Operador de Som e Luz: Flavio Duarte
Social Media: Isabella Garcia
Designer: Diego Ribeiro
Fotografia: André Stefano
Produção de Vídeos: Maiara Cicutt
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação – João Pontes e Stella Stephany

Fonte: JPortal

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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