Cine Bijou apresenta seleção de filmes que têm Chico Buarque como ator, autor literário ou criador musical

Por Maria do Rosário Caetano

A imensa e produtiva parceria do compositor, cantor, dramaturgo e escritor Francisco Buarque de Hollanda com o cinema brasileiro ganha destaque, a partir dessa sexta-feira, 6 de outubro, no Cine Bijou-Satyros (Sala Patrícia Pilar), na Praça Roosevelt paulistana.

A mostra Chico Buarque no Cinema, que tem curadoria de Cavi Borges e Felipe Cataldo, exibirá filmes de curta e longa duração, nos quais “o artista está diretamente envolvido em funções diferenciadas”. Os curadores detalham os focos de suas escolhas: “são adaptações de livros ou peças do artista”. Ou “filmes que contam com sua participação na composição da trilha sonora”. Sem esquecer “os longas em que teve participação como ator”.

A mostra buarqueana estreou, meses atrás, no Estação NET Botafogo, e compôs-se com cinco curtas e nove longas-metragens. Na abertura, foi apresentada a adaptação de Ruy Guerra para a peça musical “Ópera do Malandro”, que se fez acompanhar do curta baiano “Lin e Katazan”. Para realizar esta sintética narrativa, Edgard “Superoutro” Navarro criou roteiro inspirado em trecho do livro “Fazenda Modelo”.

“O sucesso da mostra no Rio de Janeiro, em especial na noite da Ópera do Malandro”, conta Felipe Cataldo, “foi imenso”. Lotou a sala e “exigiu cadeiras extras”. Boa parte dos espectadores permaneceram no cinema para participar de debate com Ruy Guerra, cineasta moçambicano-brasileiro, amigo pessoal, compadre e parceiro de Chico Buarque em projetos como a peça “Calabar, o Elogio da Traição”. Ao lado de Ruy estavam o ator Edson Celulari, protagonista da “Ópera” (na pele do malandro Max Overseas), e a coreógrafa Regina Miranda (quem não se lembra do duelo feito de rodopios e canto das personagens de Cláudia Ohana e Elba Ramalho, uma de vermelho e a outra de preto?). As imagens registradas pelas luzes de Antônio Luiz Mendes e pela câmara de Dib Lutfi ficaram guardadas nas retinas dos espectadores. Um musical brechtiano, com pouco, quase nada, a dever à tradição hollywoodiana.

Na mostra do Cine Bijou, “Ópera do Malandro” cedeu lugar ao perturbador “Estorvo”, que Ruy Guerra realizou em Cuba e no Brasil. Vale lembrar que este livro de Chico Buarque, tão bem recriado em imagens por Guerra e seu protagonista, Jorge Perrugorria, mereceu de Roberto Schwarz, professor da USP, análise das mais instigantes.

Para o autor de “As Ideias Fora do Lugar”(com “Estorvo”) o compositor-escritor inventou “forte metáfora do contemporâneo”, revelando “o mal-estar de seu protagonista” (em resenha na revista Veja). Ao que o romancista e ensaísta Tiago Ferro acrescentaria, na Folha de S. Paulo: com esse romance, Chico Buarque esboçaria “contornos que a sociedade brasileira começava a apresentar naquele início de anos 1990 de hegemonia do capitalismo ainda não deliberados pelas ciências sociais ou pelo senso comum”. E que encontraria em “Essa Gente” (ainda não filmado), uma espécie de sequência, na qual o romancista detectava o gérmen de um, digamos, lúmpem apegado ao pensamento retrógrado que levou Jair Bolsonaro à presidência da República.

A grande novidade da versão paulistana da Mostra Chico Buarque (mais condensada que a carioca e a que ocupou o Cine Henfil, em Maricá-RJ) é o curta-metragem “No Ventre de um Santo Tatuado”, do dramaturgo e encenador Naum Alves de Souza (1942-2016) em parceria com o artista plástico Piqueras Santangelo de Carango Sá.

Os curadores contam que “este curta acabou de sair de processo de digitalização realizado pelo projeto Cinelimite, coordenado por William Plotnick, que vive no eixo Nova York-Brasil”. Graças a tal restauração, o filme deixa o gueto da bitola Super-8 e, pela primeira vez, será exibido em cópia 2K.

Naum, que tornou-se um dos nomes de ponta do teatro brasileiro por seus trabalhos com o coletivo Pod Minoga e pela envolvente montagem de “Aurora da minha Vida”, trabalhou com Chico Buarque e Edu Lobo na recriação cênica do poema “O Grande Circo Místico”, de Jorge de Lima.

É realmente significativa a participação do autor de “Construção” e “Caravana” como fonte de adaptações de suas obras literárias (ou canções). Monique Gardenberg filmou “Benjamin”; Walter Carvalho, “Budapeste”, Cacá Diegues, “Veja essa Canção”; “Karim Aïnouz, “Abismo Prateado”.

Como ator, Chico Buarque esteve nos elencos de “Garota de Ipanema” (Leon Hirszman, 1967), “Quando o Carnaval Chegar” (Cacá Diegues, 1972), “Mandarim”, de Julio Bressane (na pele de Noel Rosa), em aparição divertidíssima em “Ed Mort” e no longa português “Água e Sal”, de Teresa Villaverde.

Como personagem, o filho de Sérgio Buarque de Hollanda protagonizou os documentários “Certas Palavras” (Maurício Beru, 1979, vencedor do Festival de Havana) e o sucesso de público “Chico, Artista Brasileiro” (Miguel Faria Jr, 2015).

Suas músicas estão nas trilhas sonoras de longas, médias e curtas, pois – generoso como ele só – o compositor, ao invés de criar dificuldades, derrama tolerância com aqueles que o buscam com alguns caraminguás no bolso (ou sem nada). Testemunho nesse sentido pode ser ouvido do catarinense Eduardo Paredes (“Novembrada”, vencedor da Jornada de Cinema da Bahia) e de dezenas de outros produtores e cineastas.

Canções buarqueanas podem ser ouvidas nos longas-metragens “Joana, a Francesa”, “Bye, Bye Brasil” e “Grande Circo Místico”, os três de Cacá Diegues, “Dona Flor e seus Dois Maridos”, de Bruno Barreto, ”Vai Trabalhar, Vagabundo”, de Hugo Carvana, “Para Viver um Grande Amor”, de Miguel Faria Jr… A lista é grande.

A mostra organizada por Cavi Borges e Felipe Cataldo é original, embora muito enxuta. Quem sabe no futuro a dupla envida esforços para realizar retrospectiva completa do Chico ator-roteirista-compositor-e-fonte literária de dezenas de filmes. Aí, sem esquecer os documentários nos quais comparece com seus testemunhos. Caso de “Vinicius”, em que arrasa com seu humor tímido ao falar do grande amigo e parceiro; nos filmes que Nelson Pereira dos Santos dedicou a Sérgio Buarque de Hollanda (“Raízes do Brasil”, 2003), em “Palavra (En)Cantada”, de Helena Solberg, “Uma Noite em 67”, de Renato Terra e Ricardo Calil. A lista, também com este recorte, é vasta.

Confira a programação:

 

Sexta-feira, dia 6

19h00 – “Estorvo”, de Ruy Guerra + curta “Lin e Katazan”, de Edgard Navarro

21h00 – “Benjamin Zambraia e o Autopanóptico”, de Felipe Cataldo + curta “No Ventre um Santo Tatuado”, de Naum Alves de Sousa e Piqueras Santangelo de Carango Sá

 

Sábado, dia 7

18h00 – “O Mandarim”, de Júlio Bressane + curta “Futuros Amantes”, Jessika Goulart

20h00 – “Ed Mort”, de Alain Fresnot + curta “Feijoada Completa”, de Angelo Defanti.

 

OS FILMES ESCOLHIDOS:

. ESTORVO, de Ruy Guerra (2000, 96 min) – Drama. Depois de uma noite mal-dormida, um homem (Jorge Perugorria) acorda com a campainha da porta tocando insistentemente. Pelo olho mágico vê um desconhecido de terno e gravata, barba e cabelos longos, que lembra alguém que não consegue identificar. Não sabe o porquê daquele homem estar ali nem quem ele é, mas tem uma certeza imediata: ele representa ameaça à sua vida. Veste-se depressa, aproveita distração do visitante e escapa de sua própria casa. Com a certeza de que o desconhecido está em seu encalço, ele passa a desconfiar de tudo e de todos numa fuga sem destino, que penetra cada vez mais fundo no seu próprio mundo. 16 anos.

. O MANDARIM, de Julio Bressane (1995, 90 min.) – Biografia experimental sobre o cantor Mário Reis (Fernando Eiras), na qual cantores de diversas gerações de nossa música popular (Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa) interpretam cantores (e cantora) do passado em passeio documental e ficcional pela vida do “Bacharel do Samba”.

. ED MORT, de Alain Fresnot (1997, 114 min.) Comédia. Em São Paulo, Ed Mort desempenha seu ofício de detetive de nona categoria. Ele mora em um cubículo, está sempre sem dinheiro e no café da manhã come pastel e garapa (fiados, obviamente). Um dia, Ed Mort (Paulo Betti) é procurado por Dayse, sensual e misteriosa mulher que necessita de ajuda para encontrar o marido, um mestre em disfarce. Porém, é o marido de Dayse que encontrará Ed e fará surpreendente revelação: a Delbono, indústria de salsichas onde trabalha, arquitetou plano dos mais maquiavélicos. Ed se defronta com Nogueira, o presidente da fábrica, e ainda se vê obrigado a evitar o delegado Mariano, corrupto que o persegue. 16 anos.

. BENJAMIM ZAMBRAIA E O AUTOPANÓPTICO, de Felipe Cataldo (2020, 71 min.) – Drama experimental, livremente inspirado em trechos do livro “Benjamim”, de Chico Buarque. 16 anos.

. LIN E KATAZAN, de Edgard Navarro (1979, 8 min.) – Uma parábola sobre a difícil relação entre um operário da construção civil, Lin, e um capataz de obra, Katazan. Lin, com seu comportamento tranquilo e não-engajado, descobre alegria em atividades simples, como tomar banho, e explora o autoconhecimento corporal e espiritual. Já Katazan é desconfiado e inseguro quanto à sua autoridade de capataz. O convívio cotidiano suscita em Katazan tensão crescente que, agravada pela atitude pacífica e segura de Lin, culmina em um trágico desfecho.

. NO VENTRE UM SANTO TATUADO, de Naum Alves de Souza e Piqueras Santangelo de Carango Sá (1983/2016, 12 min.) – O filme é baseado no poema “O Grande Circo Místico”, do livro “A Ténica Inconsêtil” (1938), de Jorge de Lima, que mostra a saga da família do Grande Circo Knieps. A película super-8 foi filmada no período em que Naum Alves de Sousa trabalhava no espetáculo de dança também chamado de “O Grande Circo Místico”, em parceria de Chico Buarque e Edu Lobo. Trinta e dois anos depois, Naum convida Piqueras Santangelo de Carango Sá para co-direção e composição da música original. As personagens do poema ganham vida nos corpos dos bonecos criados por Naum. De maneira surrealista eles nos envolvem em trama recheada de conflitos familiares, sexo, sacralidade e acrobacias circenses.

. FUTUROS AMANTES, de Jessika Goulart (2022, 15 min.) – Ficção científica cuja narrativa gira em torno de quem desperta, a cada 300 anos, para viver por 24 horas acordada devido ao sistema de hibernação. 16 anos.

. FEIJOADA COMPLETA, de Angelo Defanti (2022, 20 min.) Comédia. 16 anos.

 

Fonte: Revista do Cinema 

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