Se você me encontrar com relógio e anel, saiba: naquele dia eu sou psicanalista. Não que, sem eles, eu deixe de ser. Mas eles, de alguma maneira, me lembram do ofício. No dia a dia, aliás, nunca usei relógio. Nunca. É como se meu pulso tivesse aprendido, desde menino, a respirar fora do tempo. E, […]
LUTO | Resolvi escrever uma carta para você
Meu amor, Resolvi escrever uma carta para você, apesar de falarmos todos os dias, o dia todo. Escrevo porque queria te dizer coisas que a fala não alcança e só o silêncio pode suportar. E porque, mesmo sabendo que ninguém pode atravessar essa perda no seu lugar, ainda assim quero te estender a mão. Mas […]
CRÔNICA | Um amor que conhece a despedida
Hoje conheci um pouco mais do amor. Eu o descobri na penumbra, no intervalo entre um gesto e outro, no silêncio onde ele se esconde. Sei mais agora – não tudo, nunca tudo – sobre esse amor que não pede licença nem explicação, que se entranha no cuidado e já nasce com a dignidade de […]
OPINIÃO | O avesso do espelho: uma pequena leitura de “A Médica”
Incrível, mas tanto o teatro como a psicanálise não têm medo de tocar naquilo que não se pode dizer. E A Médica, texto de Robert Icke sobre a matriz de Schnitzler, de 1912, dirigido por Nelson Baskerville no Auditório do MASP, é exatamente isso: um dedo no ponto onde a ferida insiste em não cicatrizar. […]
ADEUS | Carmelinda Guimarães: uma mulher elegante, muito elegante
O mundo era outro em 1989, quando cheguei a São Paulo para tentar a vida no teatro. Era muito menos complexo, mas muito mais fechado. Não existia teatro de grupo, não existia trânsito entre os que haviam chegado a algum lugar dentro do teatro e os que estavam começando. Até porque começar significava ter frequentado […]
CRÔNICA | Uma tragédia em preto e branco
Há quem diga que a vaidade não mata, mas deixa sequelas. Ontem eu descobri que também mancha, arde, esfola. E ainda faz você chegar a um restaurante elegante com cara de quadro cubista. Tudo isso por uma boa causa: homenagear uma amiga queridíssima em seus noventa anos. Nove décadas. Não é todo dia que alguém […]
PSICANÁLISE | O poder do ponto final
A psicanálise nunca nos prometeu respostas. Não é desse tipo de ciência que se ocupa. O que ela nos dá, na melhor das hipóteses, é um mapa das nossas feridas. Uma cartografia das dores, com suas cores e suas margens borradas. As respostas, se é que existem, estão sempre além do consultório. O que ela […]
LETRAMENTO | Renda-se: quando a fúria se veste de silêncio
Ontem fazia um frio danado em São Paulo. Sair de casa exigia um pequeno heroísmo. Foi assim que cheguei ao Sesc Ipiranga para assistir à última sessão de “Renda-se”, texto da britânica Sophie Swithinbank, interpretado por Martha Nowill e dirigido, com precisão e risco, por Fernanda D’Umbra. Uma daquelas experiências raras que continuam a nos habitar […]
A VIDA DA GENTE | O coração pequenininho
Hoje meu coração doeu. Encolheu até caber na palma da mão, como uma caixinha frágil, incapaz de conter tudo o que ainda pulsa. Falei com uma amiga querida, que cuida de sua mãe, acamada há mais de dois anos, depois de sucessivos AVCs. Desde então, o corpo já não obedece. Apenas respira, como quem se […]
NA SUÉCIA | Neve no Brasil: um silêncio que se recusa a morrer
O grupo Darling Desperados, fundado em Malmö em 1987, foi – dizem crítica e público saudoso – “um sopro, um rasgo no tecido de um tempo, pequenas tempestades que mudaram a paisagem de uma cidade inteira”. No início dos anos 1990, quando ainda era possível acreditar que a arte podia não apenas provocar, mas também […]