BOAS-VINDAS | Carta aberta aos estudantes ingressantes

Queridas e queridos,

Sejam bem-vindes! Com toda a potência e todas as dúvidas que cabem nessa chegada.

Não se preocupem se ainda não souberem exatamente por que vieram. Ou se souberem demais. Há lugar aqui para quem busca. E também para quem se perde.

Quero contar uma pequena história. A minha, mas que talvez, de algum modo, toque a de vocês.

Meu lugar de origem beirava o impossível. Sou o quinto dos seis filhos de um pedreiro que não sabia ler nem escrever e de uma costureira que estudou até a quarta série. Nasci numa pequenina cidade do interior, sete mil habitantes, numa casinha de madeira amarela, de janelas azuis, com um quintal grande onde plantávamos o que comíamos. A vida era concreta, literal. E, ainda assim, cheia de imaginação.

Nossa mãe, mesmo sem estudo formal, sabia muito da vida. Dizia que a gente precisava estudar, porque isso era a única coisa que ninguém poderia nos tirar. Levei um tempo para entender. Hoje sei que o que ela queria dizer é que o conhecimento é menos um título e mais um chão. Uma morada íntima. Estudar não era para “ser alguém na vida”. Era para sermos nós mesmos.

Minha primeira graduação foi em Administração de Empresas. Escolha que, a princípio, eu pensava que me legitimaria, que me fizesse caber no mundo que eu achava que tinha que ser o mundo. Mas eu sentia falta de ar. O que eu queria, no fundo, era liberdade. E foi assim que encontrei o teatro. Ou, talvez, fui encontrado por ele. Porque o teatro, com sua entrega e desordem, me permitiu ser quem eu quisesse ser. Sem máscaras. Ou, quem sabe, com todas elas. Mas com consciência.

Foi o teatro que me deu tudo o que tenho hoje. Inclusive os meus medos. O medo de não dar certo, de não ser aceito, de falhar. Mas aprendi que nossos medos também são matéria-prima. Que é justamente na colisão entre o desejo e o risco que o teatro acontece. Eu queria muitas coisas. Ainda quero. E é esse querer que me trouxe até aqui.

Mais tarde, fui chegando à psicanálise. Comecei atendendo na periferia, na clínica social, lidando com traumas, escutando dores profundas, conhecendo gente que me procurava esperando uma cura. Achei que fosse um novo caminho, mas descobri que não era um desvio do teatro. Era, na verdade, uma expansão. Porque, sim, uma sessão de análise pode ser um teatro em estado bruto. E o teatro, por sua vez, pode ser uma clínica do humano. Ambos lidam com aquilo que não tem nome, mas insiste.

E é assim que seguimos: escutando o que insiste. Eu aprendo com a psicanálise que a criatividade não é um dom, mas uma necessidade vital. Que só existe futuro quando há espaço para criar. Mesmo em meio ao caos. Talvez sobretudo no caos. E acreditamos, que todo ato de ensinar é, antes de tudo, um ato de escuta. Por isso, saibam: não são apenas vocês que aprenderão aqui. Nós também aprendemos, e profundamente, com cada um e cada uma de vocês.

Vocês chegaram agora. E isso é imenso.

Que esta escola seja, para vocês, o que foi para mim a primeira vez que pisei num palco: uma travessia. Que aqui vocês se autorizem a ser mais do que esperavam. Que falem, experimentem, construam, se desconstruam, e se abracem no processo. Ninguém chega ao teatro impune – e isso é lindo!

Aqui, acreditamos que a arte é uma forma de cuidar do mundo. E que não há futuro sem imaginação, sem desejo, sem criação. Vocês são parte do que ainda não sabemos. E é exatamente isso que nos move. Sejam todas e todos bem-vindos, de peito aberto e olhos acesos. A SP Escola de Teatro é de vocês também, agora.

E que ninguém tire de vocês o desejo de serem quem vocês queiram ser.

 Bem-vindes ao futuro, pessoal!

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
Post criado 1903

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