“As três irmãs”, um dos melhores textos da dramaturgia universal de todos os tempos

Escrita por Anton Tchekhov em 1900 e encenada pela primeira vez em 1901, “As Três Irmãs” talvez seja um dos melhores textos da dramaturgia universal de todos os tempos. Vez ou outra eu releio a obra e, a cada leitura, a descoberta de novas explicações para o mundo e de novas sensações e compreensões da vida, sobretudo. Trouxe o livro na bagagem desta viagem a Cabo Verde e terminei sua leitura há pouco. A edição é de 1976, da Abril Cultural, da coleção Teatro Vivo, com tradução de Maria Jacintha.

Eu acho que a grande personagem deste texto é, na verdade, o tempo. Poucas obras da literatura, dramática ou não, refletiram o tempo de maneira tão singular, bela e dolorida.

“As Três Irmãs” conta a história dos irmãos Olga, Maria, Irina e Andrei que, nascidos e educados em Moscou, todos com personalidades fortes e distintas, tiveram que acompanhar o pai militar de carreira para uma pequena cidade provinciana, mas nunca se adaptaram à vida naquele lugar e as três rmãs, sobretudo, sonham em voltar um dia para a capital.

O que parece ser um futuro promissor no primeiro ato, porém, vai se transformar, no decorrer da peça, em uma sucessão de frustrações. Quando a história se inicia, a família vive ali há nove anos. A peça tem quatro atos e o primeiro se passa no dia do aniversário da caçula Irina. O dia também é marcado pelo aniversário de um ano da morte do pai.

A mais velha deles é Olga, que no início da peça tem 28 anos, que não realizou quase nada do que planejara para o seu futuro. A segunda, Maria, é casada com um professor. A irmã mais nova, Irina, quando a peça começa é a menos amarga da família e a única que acredita no futuro. Andrei, o varão do clã, é um rapaz bonito, bom pretendente, estuda para ser professor em uma grande universidade em Moscou e está noivo de Natalia, que recebe a desaprovação das irmãs.

Capa da edição de “As Três Irmãs”, da coleção Teatro Vivo, da Abril Cultural, com tradução de Maria Jacintha, 1976

Ainda neste primeiro ato, Olga e Irina, as irmãs solteiras, são cortejadas e desejadas pelos militares amigos do pai. Também no decorrer da história estes encantamentos irão dar lugar a muitas desilusões e alguns pesadelos.

Enquanto a peça avança, o amargor de Olga cresce, o marido de Maria se mostra um medíocre e o casamento dos dois vai à ruína; a jovialidade de Irina se perde entre projetos de vida que se estilhaçam e Andrei, que não realiza o sonho de ser professor, se casa com Natalia – uma mulher vulgar, rude e egoísta, que passará a se apropriar e dominar a casa –, perde totalmente qualquer iniciativa, acomodando-se e viciando-se em jogos de azar.

Com o destacamento militar que se retira da cidade ao final da peça, as esperanças das irmãs se perdem totalmente e elas, enfim, abdicam de seus sonhos de mudança pra sempre.

O grande mérito de “As Três Irmãs” são os incríveis diálogos e os questionamentos profundos acerca da vida, dos desejos e a frustração iminente de uma classe social desiludida. Mas também é importante na obra o que não está escrito, o que as palavras escondem ou mascaram. As entrelinhas, os subtextos e os dramas íntimos das protagonistas, são o ponto alto do texto.

A peça retrata um tema importante da época: a falência da estrutura familiar e da burguesia. Um texto, na verdade, para falar da solidão, do desamparo e da espera em um lugar que, mesmo quando existe perspectiva de mudança, nada acontece. Atualíssimo há mais de 100 anos.

As irmãs esperam que alguém ou algo façam intervenção em suas vidas. Elas sofrem, questionam a razão das coisam serem como são, mas mas nada conseguem fazer para mudá-las. São personagens que se percebem à deriva de seus destinos, como se não houvesse livre arbítrio – talvez isso se dê pelo fato de não terem habilidade para a condução de suas próprias vidas, simplesmente. Tão atual!

Em “As Três Irmãs”, Tchekhov concebe uma história de vidas comuns e ao fazê-lo transforma o simples e o quase imperceptível em algo realmente grandioso. Como a vida que nunca se sustenta com o sopro do destino, sempre certeiro e taxativo. Porque o mundo para o autor é sempre exato, lento e gradativo; mas cruel, exatamente na mesma proporção. A realidade pode ter floreios mas o destino, ao final, será impiedoso. Sempre. Não basta sonhar, é necessário antes de tudo agir. E agir rápido! Mesmo que entre destino – impiedoso, é bom lembrar – e nós, exista a figura do outro.

 

* Na foto em destaque, Helena Ignez, Michele Matalon e Djin Sganzerla em cena de “Tchekhov é um Cogumelo”, adaptação de “As Três Irmãs”, de Andre Guerreiro Lopes, também autor da foto, de 2017 

 

 

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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