Terminou hoje Garota do Momento, novela das seis que ousou iluminar caminhos raramente trilhados pela teledramaturgia brasileira. Com uma protagonista negra e núcleos diversos compostos majoritariamente por atores negros, a novela parecia anunciar uma revolução estética e simbólica. E, de certo modo, o fez — ao menos como fábula. O que se viu foi uma narrativa solar, delicadamente construída, com elenco afiado, direção elegante e uma trilha sonora que soube costurar o tempo da memória com o da fantasia.
Ambientada em 1958, a trama escolheu contornar, mais do que enfrentar, as tensões raciais que atravessaram (e ainda atravessam) o país. Perdeu, aí, uma oportunidade preciosa. Em um momento em que o Brasil parece implorar por narrativas que desnaturalizem o racismo cotidiano, Garota do Momento preferiu o encantamento à denúncia. Preferiu o lirismo à confrontação. Como fábula, funcionou. Mas como crônica social, silenciou onde poderia ter ecoado.
Curiosamente, foi na representação da homossexualidade que a novela mais arriscou. Com uma abordagem que parecia mais próxima de 2050 do que de 1958, mostrou um rapaz gay amado pela família, pelos amigos, respeitado pela sociedade. Um gesto potente, ainda que anacrônico. Uma aposta no que poderia ser. Mas, pena, o conflito foi amenizado. O preconceito, estrutural e ainda feroz, apareceu pouco. Outra ausência sentida.
Ainda assim, Garota do Momento brilhou em muitos momentos. O núcleo jovem trouxe frescor e verdade, com destaque para Klara Castanho. Duda Santos, Maísa e Pedro Novaes formaram um trio de protagonistas com química, entrega e carisma. Cauê Campos, Pedro Goifman e Caio Cabral foram descobertas promissoras. Entre os veteranos, sobressaíram Leticia Colin, Fabio Assunção, Lilia Cabral, Carol Castro, Paloma Duarte e Danton Mello, todos em trabalhos precisos e generosos.
Alessandro Poggi, a autora, por sua vez, mostrou domínio da carpintaria dramatúrgica, mas, na reta final, perdeu o fio de algumas personagens que haviam se anunciado como grandes promessas: Rebeca Carvalho (Ana Maria), Carla Cristina Cardoso (Iolanda) e Mariana Sena (Glorinha) mereciam mais do que o esquecimento progressivo. Faltou fôlego, talvez. Ou coragem de sustentar as muitas camadas que a própria trama anunciava.
No fim, Garota do Momento será lembrada como uma novela bela, necessária em sua representação, embora tímida em seus enfrentamentos. Como toda boa fábula, deixou espaço para o sonho. Mas ainda aguardamos — e merecemos — a narrativa que se atreva a sonhar sem apagar as dores do tempo.