ADEUS | O Cuoco que Acompanhou a Minha Infância

Morreu Francisco Cuoco. E o que sinto é uma tristeza íntima, como se tivesse partido alguém muito próximo, desses que a gente sabe onde mora, que cumprimenta na rua, que frequenta nossas casas aos domingos. Mas nunca nos conhecemos. Nunca o vi de perto. Nunca trocamos uma palavra. E, mesmo assim, ele estava lá, atravessando décadas da minha vida.

Cuoco fez parte da minha infância. Cresci numa casa onde não havia televisão. Então, as novelas eram um ritual coletivo, uma espécie de peregrinação noturna pelas casas dos vizinhos. Minhas primeiras memórias com ele são de “Irmãos Coragem”, exibida em 1970. Todos os dias, sem faltar um, íamos para a casa da minha irmã Ivani, recém-casada, que nos recebia com generosidade pontual às oito da noite. Era como ir ao teatro, mas com sofá e café com leite.

Depois vieram outras novelas. Muitas. E os episódios de “Caso Especial”, que ele também protagonizava. Cuoco sempre esteve lá, com aquela voz grave, o olhar levemente melancólico e uma presença que misturava galã e homem comum, o herói possível da televisão brasileira.

Nunca o vi no teatro. Uma ausência que hoje me pesa um pouco mais. Sei que ele esteve nos palcos, mas com menos entusiasmo, ao que parece. Apesar de, em entrevistas, sempre declarar com afeto que o teatro foi sua primeira paixão. E foi mesmo. Nos anos 1950, foi aluno da lendária Escola de Arte Dramática, dirigida por Alfredo Mesquita. Antes de se tornar rosto conhecido nos lares de todo o país, Cuoco integrou o elenco do Teatro Brasileiro de Comédia, o TBC, berço de tantos outros nomes que também moldaram a dramaturgia brasileira.

E teve a sua história com a Globo, onde permaneceu por toda a sua vida. Décadas, na verdade. Um rosto que, para quem cresceu como eu, sem TV em casa, mas com olhos sempre famintos por histórias, virou um conhecido inevitável. Uma presença doméstica, mesmo que à distância.

Agora ele se foi. E o que fica é essa saudade meio deslocada, esse luto por alguém que nunca esteve fisicamente perto, mas que ocupou um espaço íntimo, afetivo, quase familiar. Porque, no fundo, os grandes atores de televisão têm esse poder. Eles entram nas casas, nas rotinas, nos silêncios. Fazem parte das histórias da gente sem que a gente precise conhecê-los de verdade.

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
Post criado 1862

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