A vida que se esvazia

– Obrigada por ter vindo.

– Eu é que agradeço.

– Tão bom ter você aqui!

– É, verdade mesmo, um prazer enorme. E como você está linda!

– Esses seus olhos, meu querido.

– E o que foi aquilo que aconteceu naquela noite?

– Me conta.

– As pessoas ficaram muito emocionadas.

– Comigo ocorreu a mesma coisa. Não sei o que houve ali. Mas algo muito poderoso aconteceu.

– É o poder do teatro.

– É que é um tema complicado. Falar da velhice, da morte.

– É mesmo aterrador.

– Ultimamente tenho pensado muito na morte.

– Penso também.

– Mas você é jovem. Quando eu tinha a sua idade, também pensava. Mas com menos propriedade. Vou fazer 78 anos e o Parkinson tá me levando aos poucos. Fico pensando. O que vai acontecer?

– Ah, não pense nessas coisas. Viva.

– Vivo, mas penso, sim. Como não? Logo, eu? Fiz isso a minha vida toda, não seria diferente agora. Quando meu irmão se foi, há anos, me disse uma coisa que nunca mais esqueci. Antes de entrar naquela sala para a cirurgia derradeira, ele apertou a minha mão, olhou fundo nos olhos e disse: “Estou com medo”. E ele se foi. Sozinho. Amedrontado porque sabia que não poderia ser diferente. Daí, eu sempre fiquei com os olhos dele na minha cabeça. O que acontece com a gente nesse momento que é só solidão? O que acontece? É uma passagem e você estará sozinho.

– E o que eu digo agora?

– Não sou tola, não precisa me dizer nada.

– Agora, eu é que fiquei emocionado.

– Já é bom. Emocionar-se.  É sempre bom para um ator.

– Se você diz, acredito.

– Pode acreditar. Mas queria saber.

– O que?

– O que acontece com a gente neste momento. A única coisa que sei é que estarei sozinha. E a minha vida, sempre tão cheia de gente…

– É. O que acontece?

– Mas estou me educando. Sozinha, sim. Vou. Mas com medo? Não. Eu não posso ter medo!

+ na foto, em destaque, Maria Alice Vergueiro recebe um beijo de Ivam Cabral, tendo ao seu lado os amigos Rubens Caribé e Carlos Blauth, na primeira edição do Prêmio Aplauso Brasil, na SP Escola de Teatro, em 2013

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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