Hoje meu coração doeu. Encolheu até caber na palma da mão, como uma caixinha frágil, incapaz de conter tudo o que ainda pulsa. Falei com uma amiga querida, que cuida de sua mãe, acamada há mais de dois anos, depois de sucessivos AVCs. Desde então, o corpo já não obedece. Apenas respira, como quem se agarra ao fio mais tênue que ainda liga a vida à vida.
Conheci a filha por causa da mãe que sempre foi uma mulher luminosa. Uma mulher que acreditou em mim antes de tudo e todos, que assinou meu nome quando eu ainda não sabia escrevê-lo direito. Trabalhamos juntos tantas vezes e construímos uma intimidade que as palavras mal conseguem tocar.
Ao lado de Contardo Calligaris, Gilberto Dimenstein e Danilo Miranda, ela me ensinou a sonhar mundos que ainda não existiam. Com eles aprendi que, para nascer, o pensamento precisa antes ser desejado.
Essa senhora, imensa em seu ofício, caminhou comigo por tantas encruzilhadas. Compartilhamos ideias. Algumas viraram livros ou peças de teatro, outras ficaram suspensas no ar. Sempre enchi a boca para dizer seu nome, para contar ao mundo que ela era minha amiga. E talvez, de algum modo, minha analista. Não com divã e silêncio, mas com escuta e coragem. Ela me abriu portas, mostrou que a vida podia ser maior do que os meus medos.
Agora, há dois anos, é sua filha quem a acompanha nesse território de paciência e espera.
Essa história tem encolhido meu coração. Sobretudo por imaginar a consciência do que ela vive hoje. Essa dor muda de quem está aqui e, ao mesmo tempo, já não está. Uma espécie de apagamento. Não da memória dos outros, mas do próprio corpo, que desaprende a ser.
Na psicanálise, dizem que há em nós um ponto que nunca cede. Nem no sono, nem no trauma, nem no exílio. Chamam isso de desejo. Talvez seja ele que ainda a sustente.
Espero, ainda, que ela encontre o caminho de volta, que volte a caber no mundo, entre nós. Ela está viva. E isso já basta para que eu siga acreditando.
Dizem que milagres existem. E eu, que nunca soube rezar direito, sigo aqui, em silêncio, à espera de um.