LENISE PINHEIRO: ALGUNS CLIQUES

Lenise esteve atriz; Lenise está fotógrafa; Lenise é artista.

Era uma noite fria qualquer na Praça Roosevelt, há uns 5 anos, aproximadamente. Estávamos proseando sobre causos teatrais, num grupo bastante animado – Emilio Di Biasi, Otavio Martins, eu e uma porção de pessoas da classe, no costumeiro frisson vai-e-vem daquele espaço.

Otavio, em determinado momento, se lembrou (sabe Deus por que!) de uma novela do início dos anos 1980: “Drácula, Uma História de Amor”, que estreou na TV Tupi e, devido ao fim da emissora, foi tirada do ar no quarto capítulo, sendo reexibida, integralmente, meses depois, pela Bandeirantes, já com o título de “Um Homem Muito Especial”.

Emilio revela que trabalhou na novela como ator, que foi um processo turbulento, por conta da crise da Tupi, da mudança para a Bandeirantes – mas que, ainda assim, eram bons tempos. Diz que diversas cenas do programa foram gravadas, ali, nas proximidades; que mesmo a Faap havia servido de set. Lembrou de alguns atores do elenco, grandes amigos, que fizeram parte dessa história: o Rubens de Falco, o Carlos Alberto Ricelli, a Bruna Lombardi, a Lenise…

“Lenise? Lenise quem, Emilio?”. “Lenise, ‘a’ Lenise, Lenise Pinheiro”. Pausa. Levamos um susto. “Lenise, a fotógrafa? Lenise já foi atriz?” Sim, segundo Emilio, “a própria”. E completa com a exótica informação de que ela fazia uma freira na novela.

Assim, de modo insuspeito, eu descobri naquele dia outonal que a fotógrafa que conhecia (e admirava) há alguns anos tinha iniciado carreira artística na televisão. Mais que isso, como atriz. Mais que isso, ainda, como freira!

Por mais desconectado que isso possa soar, foi a partir desse fato, desse dia, que compreendi a profundidade e a amplitude do trabalho de Lenise. Quando conhecemos um profissional através de um trabalho específico, geralmente nos atemos à titulação presente (fulano é ator; beltrano é diretor), sem pensar que houve um passado, uma formação. E – o clique, finalmente! – quanto mais plural esse caminho for, mais incrível será o profissional. Lenise esteve atriz; Lenise está fotógrafa; Lenise é artista.

Aliás, diga-se de passagem, uma artista como poucos. Assim como Fredi Kleemann, que tão magistralmente retratou os anos dourados do teatro brasileiro, certamente Lenise, a partir dos anos 1990, é responsável pelo registro fotográfico de grande parte da produção teatral de nosso País, até os dias de hoje. E ela fotografou tudo.

E quando digo tudo, é tudo mesmo, posto que Lenise não se limitou à produção artística do eixo Rio-São Paulo. Curiosa, artista atenta, buscou conhecer outras práticas, outras praças, outros caminhos e clicou coisa à beça desde que oficializou sua nova profissão. Da Roosevelt ao Teatro Alfa, do mainstream às mais radicais experimentações, lá tem a mão, o olhar, a sensibilidade de Lenise.

Ela fez escola e, se há alguém nos palcos atuais que dialogue (e seja admirada, e seja requerida) com gregos e troianos, mas sempre mantendo uma marca muito forte e pessoal, esse alguém é a Lenise. Ela clicou o nascimento de um novo teatro em nosso País e isso é um feito e tanto.

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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