EU, LÁZARO DO MARCELO MIRISOLA

Ivam conseguiu, depois de duzentos e tantos anos, reinventar a Praça – sim, é da Praça Roosevelt que falo! - ao incorporar diabolicamente o aristocrata Dolmancé, libertino de Sade

Eu gostei. Assistir a essa peça – aparentemente – não tinha nada a ver com a outra coisa, a revitalização da Praça.

Explico: tinha/tem, sim. Sob o ponto de vista que me convém, é claro que tem. Considero A Filosofia… a peça chave da praça. A partir daí a Roosevelt começou a existir outra vez. Eu diria que assistir A Filosofia… em 2002, 2003 era um pouco ser politicamente correto de inopino, participar sem perceber, ser incluído no fluxo apesar de.

Era como se um Panda desse uma “espernachia” dentro do ventre de uma Leila Diniz desavisada, em 1972. Algo meio calabresa, meio banana caramelada. A parte doce – nem é preciso dizer – jamais me interessou.

Nem ao Mário. Pode ter sido pela carolice dele. Talvez, talvez. Não arrisco dizer que sim nem que não. Prefiro acreditar que foi o radar antibabaquice do Mário que deu o alerta. De alguma forma, ele sabia que ir ao teatro naqueles dias (pra ver a Filosofia…) era ser um bunda-mole para sempre. Sei é que ele enrolou até onde conseguiu. Repito, viu e não gostou.

Um dado: apesar de ter sido um Gilberto Dimenstein involuntário, nunca vou esquecer a atuação do Ivam, da Phedra e da Patrícia Aguille. Era o elenco original. Depois deles, assisti à peça umas trezentas vezes porque, em primeiro lugar, entrava de graça (sou ou era benquisto na Praça…) e, depois, aquela putaria me servia de pretexto para arrastar alguma buceta pra quitinete. Tô pensando um treco.

Para ser viado nessa vida, o cara tem que ter – no mínimo – uma confiança sobrenatural no fulano que vai lhe enfiar uma piroca no meio a bunda. Taí o paradoxo. Como é que você pode confiar num cara que vai comer sua bunda?

Creio que é o paradoxo que dá tesão. Só pode ser… Bem, se eu tivesse tesão em paradoxos, e tivesse que confiar num cara para me comer o rabo… Ah, ia ser o Ivam.

Tive a certeza disso ao vê-lo na pele de Dolmancé. Infernal, lindo. Até a bunda meio flácida do Ivam dava tesão. Será que ele confia em mim? Apesar do francês capenga, Ivam conseguiu, depois de duzentos e tantos anos, reinventar a Praça – sim, é da Praça Roosevelt que falo! –  ao incorporar diabolicamente o aristocrata Dolmancé, libertino de Sade.

De certo modo – e com muita boa vontade – posso dizer que ele, Ivam, também trouxe de volta a filosofia esfarrapada e enfadonha do Marquês para os nossos dias. Se essa montagem não tivesse dado certo, aposto que a Roosevelt não teria ressuscitado. Ivam, Patrícia, e Phedra são os meus Lázaros.

Fonte: “Animais em extinção”, Marcelo Mirisola, Editora Record, 2008

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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